Autor: Michel Houellebecq (França)
Título Original: Sérotonine (2019)
Editora: Alfaguara Portugal
Edição: 1ª Edição, Maio 2019 (280 págs.)
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Já havia lido, deste autor, lá por finais de 2016, o livro “Submissão”.
Quando tive que reiniciar a toma de um fármaco inibidor seletivo de recaptação de serotonina, lembrei-me que tinha este título estacionado na estante.
Sinopse
Este livro conta-nos a história de Florent-Claude Labrouste, um homem de quarenta e seis anos, funcionário do Ministério da Agricultura que detesta o seu nome.
Confrontado com o diagnóstico de depressão, Florent-Claude inicia a toma de um antidepressivo – o Captorix – contando-nos, logo nas primeiras páginas que “os efeitos secundários indesejáveis mais frequentemente observados do Captorix são as náuseas, a diminuição da líbido e a impotência” e que “Nunca tinha tido náuseas.”
A história começa, contudo, num momento anterior, em que Florent-Claude divide o apartamento com Yuzu, a namorada japonesa, muitos anos mais jovem, curadora da Casa da Cultura do Japão, percebendo-se rapidamente que a relação esmoreceu e que já não existe qualquer sentimento entre ambos.
Numa noite, igual a tantas outras, Florent-Claude vai fazendo zapping na televisão, deparando-se, a dada altura, com o programa “Voluntariamente Desaparecidos”, onde se contam diversos casos de pessoas que decidiram desaparecer para sempre, rumo ao anonimato.
Entretanto, a descoberta de uns vídeos comprometedores da namorada, que ele planeava já há muito abandonar, funciona como gatilho que o leva a despedir-se de si mesmo. Atendendo à sua existência miserável e inspirado no programa de televisão referido, Florent-Claude resolve desaparecer: Deixa o emprego, a namorada, sai de casa, e aluga um quarto de hotel, tentando permanecer o mais anónimo e discreto possível. Dedica os dias a divagar e deambular pelos bares, restaurantes e lojas da cidade, numa rotina perfeitamente homogénea e desprovida de emoção, tornando-se cada vez mais apático ao que o rodeia e cada vez mais depressivo.
Quando, em visita a um médico (que consultara apenas uma vez, mas que lhe parece de confiança) lhe é prescrito Captorix, vamos percebendo como este fármaco lhe devolve a possibilidade de aguentar o dia-a-dia, mas lhe rouba todo o tesão e a libido, que poucos homens estariam dispostos a perder.
É neste estado mental que a história de Florent-Claude nos vai sendo contada, alternando entre momentos presentes e rememorações do passado, recordando-se do seu tempo de juventude, dos amigos de faculdade, do suicídio dos pais e, principalmente, das relações amorosas vividas.
A passagem do tempo parece por vezes demarcada pela relação do momento, existindo sempre uma tónica maior no lado sexual do que no lado romântico da mesma (um grande exemplo disso, é o facto do autor nunca recorrer ao eufemismo “fazer amor” e falar sempre em “foder”. Mas, para quem já leu Laferrière, isto é para meninos, certo?)
Percebemos, contudo, que uma relação em particular marcou a vida de Florent-Claude, tornando-se, na fase presente da sua vida, quase uma obsessão reviver um vislumbre desse “amor”.
A minha experiência de leitura
Gosto particularmente de livros sobre depressão e deprimidos. Vivo a depressão, de forma intermitente, no meu dia-a-dia e sinto que é difícil por em palavras aquilo que se sente. Ou melhor, deixa de se sentir.
Apesar de ter encontrado passagens nas quais identifiquei as marcas da depressão, este livro traz, para mim, uma perspetiva e um pano de fundo diferentes. Primeiramente por se tratar de uma perspetiva masculina e, em segundo lugar, por apesar de relatar uma vivência na primeira pessoa, se perceber que o problema de depressão não é necessariamente de índole individual, mas sim social, quer pela fragilidade dos laços, quer pela impotência perante as pressões do capitalismo (sim, no meio disto Houellebecq consegue fazer uma crítica aos problemas que a UE causou aos agricultores da França, com a sua intransigência em matéria de quotas leiteiras, assentes numa ideologia de comércio livre).
“Seria eu capaz de ser feliz na solidão? Não acreditava nisso. Seria capaz de ser feliz no geral? É o tipo de pergunta que, creio, devem evitar fazer-se” (pág. 73)
Dizer que este é livro sobre um homem deprimido que sempre valorizou o sexo e que, neste momento, se encontra impotente, seria redutor. Contudo, em muitos momentos, lemos sobre as suas relações quase como uma ode ao seu próprio pénis. Aos momentos gloriosos por ele vividos.
As descrições de sexo são bastante gráficas, frequentemente misóginas, embora procurem retratar o estado de decadência em que se encontram as relações.
Não obstante, houve dois momentos em que achei o grafismo excessivo e desnecessário (uma envolvendo animais e outra a indiferença do personagem perante a identificação de um pedófilo).
Não obstante, não podemos tirar ao autor o mérito de abordar fria e diretamente questões tabu (como a zoofilia, a pedofilia, e mesmo o homicídio de uma criança), apresentando-nos um retrato da tristeza, da solidão, assim como da estranha volúpia que há no desejo de auto-extinção.
❤
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