Autor: Leïla Slimani (Franco-Marroquina)
Ilustrações: Clément Oubrerie (França)
Título Original: A Mains nues (2022)
Editora: Iguana
Edição: 1ª Edição, Maio 2024 (208 págs.)
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Esta Graphic Novel conta a história de Suzanne Nöel – uma brilhante estudante de Medicina, pioneira na área da cirurgia estética e reconstrutiva.
Nascida numa família abastada, Suzanne casa-se aos 19 anos com Henri Pertat, um médico nove anos mais velho do que ela, que desde logo a incentiva a estudar também medicina, para que, na sua clínica, possam trabalhar juntos.
Em 1905, Suzanne começou a ter aulas de medicina sendo aprovada, em 1912, no "Internat des Hospitaux de Paris" logo após o nascimento da filha – Jacqueline. Suzanne foi a quarta de sessenta e sete alunos a passar neste exame o que demonstra a sua grande vocação e dedicação.
Logo nesse ano, Suzanne começa a desenvolver o seu interesse pela cirurgia estética quando percebe que a atriz francesa Sara Bernhardt, na altura com mais de sessenta anos, regressa de uma viagem parecendo bastante rejuvenescida. Suzanne começa assim a experimentar beliscar a pele para ver se conseguia adquirir o mesmo efeito, encetando, mais tarde, uma série experiências em coelhos anestesiados.
Durante os seus estudos, e enquanto estagiária o Serviço de Dermatologia no Hôpital Saint-Louis, conhece André Noёl, com quem se começa a envolver.
Começamos a perceber, neste momento, que Suzanne se dedica quase em exclusivo à medicina e aos estudos, deixando a vida familiar e a maternidade em segundo plano.
Já licenciada é colocada no serviço do professor Hippolyte Morestin, um cirurgião com enorme reputação internacional, e um dos primeiros a praticar exclusivamente Cirurgia Plástica e Reconstrutiva.
Entretanto tem início a Primeira Guerra Mundial que, além de ceifar a vida de um milhão e meio de pessoas, desfigurou e mutilou centenas de milhares de soldados. Alguns destes mutilados usavam mascaras ou próteses, enquanto outros apresentavam faces grotescas devido às lesões.
Durante a guerra, tal como todos os médicos estagiários, Suzanne foi autorizada a praticar Medicina sem ainda ter concluído a sua tese final. Assim, junta-se à equipe do professor Morestin, no Hôpital Militaire Val-de-Grâce, colaborando em reconstruções faciais de soldados feridos, tratando centenas de homens.
Nessa altura, o marido – Henri Pertat – apesar de dispensado das obrigações militares, solicitou a colocação na frente de combate, participando, em 1915, em testes com dispositivos que visavam evitar os efeitos nocivos dos gases asfixiantes, entretanto introduzidos como arma letal. Contudo, acidentalmente, inalou gás, o que lhe desencadeou uma grave e progressiva insuficiência respiratória, tendo falecido no final de 1918, aos 49 anos de idade.
Em 1920, Suzanne volta a casar – com André Noël, o colega com quem já se envolvia desde a faculdade – assumindo o seu nome, pelo qual ficou conhecida.
Como a maioria dos hospitais não queria ter um médico especializado apenas em cirurgia estética, ela decidiu montar uma clínica em sua casa, limitando inicialmente, a sua prática a pequenas cirurgias, como lifting facial e correções das pálpebras. Ficou famosa pela sua Petit Operation, que consiste numa técnica ainda hoje utilizada, na qual fazia pequenas incisões invisíveis ao longo da linha do cabelo, antes de suturar pele apenas o suficiente para fabricar tensão sem extirpar qualquer tecido subjacente.
Suzanne constrói uma vida feliz com André, contudo, pouco tempo depois – em 1922 – a tragédia volta à sua vida, quando perde tragicamente, com a gripe espanhola, a filha Jacqueline, na altura com 13 anos.
Importa aqui referir que a Graphic Novel deixa sempre em aberto a possibilidade de Jacqueline – a filha de Suzanne – poder ser filha de André (e não de Henri), uma vez que os dois já se envolviam previamente à gravidez de Suzanne. Embora, em pesquisas posteriores, não tenha encontrado referências a esse romance prévio ao falecimento de Henri, é importante lembrar que se trata de uma biografia romanceada e, apesar dos feitos médicos de Suzanne serem bem documentados, o mesmo não se passa em relação à sua vida pessoal.
Assim, posteriormente à morte de Jacqueline, o marido, André Noël, entra em profunda depressão, começa a beber e não concebe que Suzanne consiga continuar a dedicar-se à medicina. Desta forma, a 5 agosto de 1924, na sua presença, André estaciona o carro na Pont-au-Change e precipita-se do parapeito da ponte para o rio Sena, morrendo afogado.
O escândalo motivado por este trágico acontecimento foi considerável, particularmente no meio médico, razão pela qual em 1925, ao submeter finalmente a sua tese, com 47 anos, Suzanne Noël não a assinou com o seu nome clínico, tendo antes optado pelo nome de solteira. Além disso, Suzanne opta por um tema em nada ligado à cirurgia plástica, defendendo um trabalho sobre a extensão reflexa do hallux.
Sobrevivendo aos dramas familiares, Suzanne tenta recompor-se, dedicando-se intensamente à prática da Cirurgia Plástica: efetua face liftings, remodela narizes e mentos, realiza revisões de cicatrizes e reconstruções da face com enxertos dérmicos, ampliando as potencialidades e o âmbito desta nova especialidade a outras situações e regiões anatómicas,
Ao remodelar seios, coxas e nádegas, Suzanne contribuiu decisivamente para a expansão desta especialidade cirúrgica, juntando-lhe uma nova diferenciação: a Cirurgia Estética. Estabeleceu assim princípios técnicos fundamentais, ainda atualmente utilizados, inovou praticando novas técnicas como, por exemplo, a remoção de gordura por aspiração (a lipoaspiração, hoje amplamente divulgada e praticada), além de inventar ou melhorar muitos dos instrumentos cirúrgicos que utilizava.
A par da cirurgia, interessou-se sempre pelas repercussões psicológicas das mesmas, analisando ao pormenor as reações nas doentes.
Feminista convicta, Suzanne vai percebendo que a cirurgia plástica poderia constituir um instrumento valioso e útil para a emancipação da mulher permitindo corrigir não apenas sinais de envelhecimento e de doença, mas também os resultantes de condições de vida difíceis e precárias.
A Cirurgia Estética era encarada por Suzanne Noël como uma alavanca para a emancipação social, particularmente feminina, acreditando que o aspeto resultante do rejuvenescimento facial ajudaria as mulheres a encontrar mais facilmente trabalho. Assim, apesar de muitas das suas pacientes serem oriundas dos bairros elegantes e ricos de Paris, Suzanne tratava igualmente, com gosto e empenho, pessoas humildes, muitas vezes gratuitamente, de acordo com as suas convicções filantrópicas e progressistas.
No ano de 1926 publica La Chirurgie Esthétique et son rôle sociale, que foi amplamente lido e difundido, sendo mais tarde editado na Alemanha como forma de divulgar e explicar a importância da sua atividade, numa época em que submeter-se ou mesmo praticar Cirurgia Estética não só não era bem aceite, como era até estigmatizado.
Suzanne Noël enfrentou não só os preconceitos do seu tempo, como lutou incessantemente pelo direito de voto das mulheres, pela sua independência e pelo reconhecimento do seu trabalho como cirurgiã plástica, tornando-se uma celebridade no seu país e no mundo inteiro.
Expressando-se de forma eloquente, participou em inúmeras conferências sobre a Cirurgia Plástica e Estética, sempre com grandes audiências, aproveitando habitualmente a oportunidade para falar sobre a autodeterminação feminina e os direitos das mulheres.
Até ter esta Graphic Novel nas minhas mãos, não sabia nada sobre esta mulher. Nada. Daí, após a leitura, ter sentido necessidade de procurar mais informações sobre os trabalhos de Noël. Dá para perceber isso quando, neste comentário, resumo bem mais a sua biografia do que falo da Graphic Novel propriamente dita, certo?
Bem, a graphic novel, mesmo romanceando a vida pessoal de Noël, aborda bem os pontos fulcrais da sua carreira quer na medicina, quer – um aspeto que não abordei – na sua promoção do Soroptimismo, um movimento para mulheres profissionais. Ficamos assim a perceber a relevância que esta mulher teve no empoderamento de outras mulheres e na forma como o seu trabalho médico reverbera até aos dias de hoje.
Graficamente, os tons das imagens acompanham o conteúdo, tornando-se mais escuros e azulados nos momentos mais pesados da história e mais alarajados nos momentos de estudo e entusiasmo de Suzanne. Apesar dos traços não serem “limpos” tornam-se agradáveis.
❤
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