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terça-feira, 10 de novembro de 2015

#012 | Os Mutilados, de Hermann Ungar (e um pouco sobre a E- Primatur)

Autor: Hermann Ungar (Morávia, na atual República Checa)
Título Original: Die Verstümmelten (Janeiro 1922)
Editora: E- Primatur
Edição: 1ª Edição, Setembro 2015 (182 págs.)
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A minha história com este livro é interessante (acho!) uma vez que o comprei simplesmente por ter gostado do conceito da editora que o publicou – a E-Primatur.

Sobre a E- Primatur

Conheci esta editora através de uma publicação partilhada no Facebook e logo fiquei seduzida pelo conceito da mesma.

A E-Primatur parte de uma ideia base que consiste em dar voz aos leitores, percebendo o que é que o público realmente quer ler.
Esta voz é-nos dada através de um processo de crowdpublishing, isto é, só serão editados livros cuja produção seja viabilizada pelo público.

Eu explico melhor:
As propostas de livros a editar são apresentadas, com seis meses de antecedência, na plataforma da editora e é estipulado o valor necessário para tornar a edição do livro em realidade.

Nessa fase, quem se interessar pelo livro e quiser viabilizar a edição do mesmo, poderá fazer uma doação de um valor previamente definido e corresponde a cerca de 2/3 do preço de capa que o livro terá quando estiver nas livrarias.

Quando o valor necessário para a edição tiver sido atingido, todos os leitores que tiverem feito a doação e tenham, dessa forma, ajudado o livro a tornar-se realidade, receberão um exemplar em casa, sem qualquer custo adicional. 

Caso o valor necessário para a produção do livro não seja atingido, poder-se-á dar um de dois casos:
1) O dinheiro é devolvido aos apoiantes;
2) O Projecto E-Primatur cobre a verba em falta, tornando o livro uma realidade.

Desta forma, o crowdpublishing assumir-se-á também como uma forma de sondagem do mercado… Uma forma de perceber o que é que as pessoas realmente querem ler.

Numa primeira fase, será a própria editora a seleccionar os títulos a projecto, centrando-se principalmente na edição clássicos modernos – nacionais ou estrangeiros – inéditos ou há muito esgotados. Isto é, obras essenciais que estão indisponíveis no nosso mercado e, que de alguma forma, marcaram a literatura.

A partir do segundo ano, pretende-se que leitores, colaboradores, críticos, jornalistas, livreiros e todos aqueles que gostam de livros e da leitura façam as suas sugestões de títulos a editar.

Assim que um livro esteja impresso, entra no circuito comercial de distribuição nas livrarias.

Iniciando a sua actividade com a publicação de títulos inéditos em Portugal como Voss de Patrick White (um Prémio Nobel há muito esquecido pelas editoras) ou como O Salão Vermelho de August Strindberg e O Caso do Camarada Tvlayev de Victor Serge – ambos livros incluídos na lista dos "1000 Romances que todos deveriam ler" do The Guardian – esta editora promete!

Sobre o autor

Hermann Ungar foi um escritor judeu, nascido na Morávia quando esta ainda pertencia ao império Austro-Húngaro. Embora soubesse checo, escrevia em alemão.
Funcionário no Ministério dos Negócios Estrangeiros da antiga Checoslováquia, Ungar escreveu e publicou a sua primeira obra –  Meninos e Assassinos – em 1920, impondo-se logo junto à crítica. Contudo, foi com Os Mutilados de 1922 e com O Assassinato do Capitão Hanika de 1924 que Ungar se estabeleceu no círculo de intelectuais de Berlim, afirmando-se como escritor.

Foi lido e apreciado por Thomas Mann e Stefan Sweig e traduzido para o francês, sendo que, quando publicado em França, o seu nome foi saudado como o do grande renovador da literatura de expressão alemã.
Morreu em 1929, vítima de uma vulgar apendicite.

Com a chegada do regime nazi, Ungar já não viveu para ver as suas obras encabeçarem a lista de livros a destruir na Bücherverbrennung de 1933. As suas obras foram queimadas por toda a Europa e o seu nome praticamente caiu no esquecimento.

No final dos anos 80, com a publicação de uma nova tradução francesa da sua obra, Ungar foi ressuscitado, voltando a merecer as atenções do universo literário.
Foi posteriormente traduzido em mais de duas dezenas de línguas, vendo novamente o seu nome a figurar no cânone da literatura europeia.

Profundamente influenciado por Dostoievsky e por Freud – como o foram muitos dos escritores do leste europeu dos anos 1920 – Ungar criou uma obra povoada de figuras psicanalíticas, que testam até aos limites mais negros o tecido social e abordam temáticas de choque como a sexualidade e a doença psicológica.



Sobre o livro – Os Mutilados

Neste livro é-nos contada a história de Franz Polzer, um funcionário de um banco, que vive num quarto alugado na casa de uma viúva judia de classe baixa, e que é perseguido por um medo terrível de que aconteça na sua vida algo que ele não controle.

Polzer é um homem de alma triste, neurótico e socialmente inepto, que procura viver uma vida o mais metódica possível, sem surpresas nem sobressaltos, num ambiente previsível, controlado e tranquilo.
É um homem simples, que vive os seus dias rotineiramente e que é frequentemente atormentado por recordações do seu passado e alucinações dementes envolvendo o seu pai a sua tia.

Logo nas primeiras páginas no livro conseguimos reconhecer estas características em Polzer, percebendo-se leves traços de TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo – sendo que o personagem vive em constante estado de alerta, na procura de manter a ordem das coisas.

Além disso, Polzer está num constante sofrimento, por antecipar diversas situações, sempre com o mais trágico desfecho possível.
Dou um exemplo:
Num determinado momento, a senhora Porges oferece a Polzer um chapéu que tinha pertencido ao seu falecido marido. Após usar o chapéu uma única vez, e em consequência de determinado acontecimento, Polzer diz à sua senhoria que não quer mais usar aquele chapéu. A senhora Polzer sugere-lhe então que ele o venda… 
Esse acontecimento é suficiente para Polzer imaginar que terá ofendido a senhora Porges, que esta o expulsará do quarto que aluga, que terá que procurar um novo lar mas que os novos senhorios serão desonestos, será assaltado aquando a mudança, haverão crianças na casa nova, Polzer ficará doente e terá que faltar no Banco e o trabalho amontoar-se-á na secretária… enfim! Uma bola de neve.

Além de tudo isso, Polzer vive ainda com uma repulsa pelos corpos femininos, pela sexualidade e por qualquer relação social, sendo que, as únicas pessoas com quem Polzer ainda mantém alguma relação, são Karl Fanta – um amigo de infância, que sofre de uma terrível doença que faz com que os seus membros tenham que ser, gradualmente, amputados – e o filho adolescente deste, Franz Fanta.
Polzer testemunha então a deterioração física e mental do seu amigo, que se revela um personagem revoltado e bruto nas palavras e, curiosamente, muito interessado em conhecer a senhora Porges, senhoria de Polzer.

Mesmo protegido pelo seu comportamento compulsivo e pela sua tentativa de manter a rotina, Polzer acaba inevitavelmente por ser engolido pelo mundo dos outros, envolvendo-se numa teia de mentiras, sexo e violência.

Escrito de forma provocante e perturbadora, este livro vai abordar temas como o trauma, a religião e a sexualidade, abordando questões como o incesto, a violação e o masoquismo.

Todos os personagens da história são complexos, bem construídos e é difícil não criar, quase logo de início, alguma empatia por Polzer e até mesmo alguma pena pela situação em que este se vê envolvido bem como, aliado a isso, um sentimento de repulsa pelos restantes personagens.

Em jeito de conclusão, devo dizer que é um livro forte – pela temática e pela escrita – que nos consegue provocar, em diversos momentos, um nózinho na garganta.

O único reparo menos positivo que tenho a fazer a esta edição, é o facto de ter encontrado, ao longo da leitura, algumas gralhas. Nada de significativo para a compreensão das frases, mas ainda assim algo a notar.
Pelo que sei, esta edição terá um número limitado de exemplares, no entanto, se houver alguma edição futura, uma nova revisão não será má ideia.

De resto, continuo muito interessada no conceito da editora e muito tentada a adquirir novos títulos.



Nota: Em Fevereiro de 2016 foi, de facto, lançada uma nova edição de Os Mutilados. A editora, assumindo os erros de revisão da 1ª edição, fez questão de enviar, em jeito de desculpas, um novo exemplar do livro, acompanhado de uma carta, a quem o adquiriu em regime de crowdpublishing através da plataforma da editora. Achei esta atitude atenciosa por parte da editora uma vez que não há nada que demonstre mais profissionalismo do que assumir e corrigir os próprios erros.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

#011 | A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, de Washington Irving

Autor: Washington Irving (Estados Unidos da América)
Título Original: The Legend of Sleepy Hollow (1820)
Editora: Tinta da China
Edição: 1ª Edição, Novembro 2008 (173 págs.)
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Hoje venho falar de um clássico de Horror, desta vez de um conto: A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça de Washington Irving.

Este conto foi publicado primeiramente em 1820, como parte do livro The Sketch Book of Geoffrey Crayon, no qual com Irving usou o pseudónimo de Geoffrey Crayon.


Neste conto é-nos narrada a história de Ichabod Crane, um magro, esguio e extremamente supersticioso mestre-escola, muito conhecido em Sleepy Hollow.

Ichabod não tinha dinheiro nem casa própria, dividindo o seu tempo entre a escola e o alojamento temporário em casa das diversas famílias da vila, que o acolhem por solidariedade.

Sendo um mestre-escola uma pessoa vista com um certo gabarito – uma espécie de cavaleiro ocioso, como refere a obra – não seria de estranhar que os seus anfitriões caprichassem na hora de por a mesa e, sendo Ichabod Crane um bom garfo (apesar da sua magreza), nunca se fez rogado na hora de comer.

Preocupado em assegurar um futuro um pouco mais prospero, Ichabod tenta aproximar-se de Katrina Van Tassel, filha única do mais rico fazendeiro da Vila.
No entanto, a jovem tem já um pretendente – Abraham ‘Brom Bones’ Van Brunt – que, obviamente, não acha piada nenhuma a Ichabod.


Um dia, Baltus Van Tassel, pai de Katrina, resolve dar uma festa e, como seria de esperar, o mestre-escola é convidado.

Nesta festa, repleta de muita comida e boa bebida começou-se, a determinado momento e como era costume local, a contar histórias de terror, sendo a mais assustadora a de um soldado de cavalaria, cuja cabeça foi arrancada por uma bala de canhão e que, segundo reza a lenda, ainda é visto em algumas noites, cavalgando pelo vale, em busca da sua cabeça…
Ichabod, gostava muito de ouvir estas histórias embora ficasse sempre muito impressionado com elas. Por isso, aproveitando a deixa, Brom Bones afirma já ter-se cruzado, numa noite, com o dito cavaleiro, aumentando o clima de medo entre os presentes.

Quando Crane deixa a casa dos Van Tassel, já tarde no final da festa, montado num cavalo velho, começa a prestar atenção aos sons que o rodeiam: O assobio do vento, o som de animais a passar pelas folhas caídas, o som do chapinhar do regato e, ao longe… o trote de um cavalo?


Apesar de ter adquirido este livro com o intuito de ler ‘A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça’, nesta minha edição (linda, de capa dura e cheia de ilustrações!) estão ainda reunidos dois contos – ‘Rip Van Winkle’ e ‘A Lenda Do Astrólogo Árabe’ – cuja leitura também recomendo.




sábado, 24 de outubro de 2015

#010 | A Árvore de Halloween, de Ray Bradbury

Autor: Ray Bradbury (Estados Unidos da América)
Título Original: The Halloween Tree (1972)
Editora: Publicações Europa-América
Edição: 1ª Edição, Outubro 2004 (171 págs.)
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Hoje trago um livro temático: A Árvore de Halloween de Ray Bradbury.

A história deste livr
o começa na noite de 31 de Outubro – a Noite de Halloween – quando Tom Skelton e o seu grupo de amigos, devidamente fantasiados, se junta para começar a festejar o Halloween na sua caça aos doces – o famoso Trick or Treat.
Apercebem-se no entanto que Pipkin – o amigo mais querido do grupo e o mais fervoroso adepto do Halloween – não está entre eles.


Preocupados com Pipkin, os amigos dirigem-se até à sua casa e descobrem que este está um pouco adoentado. No entanto, ainda assim, e sentindo forte dores abdominais, Pipkin promete encontrar-se com os amigos, daí a pouco, junto a uma casa que eles julgam ser assombrada.

O grupo dirige-se então à tal casa e, nos fundos da propriedade, eles descobrem uma gigantesca e magnífica árvore, repleta de abóboras, de diferentes formas e tamanhos, havendo, em cada uma delas, um rosto talhado.

Entretanto – Sr. Moundshroud – o sinistro dono da casa aparece e convida o grupo para uma aventura no País Não Descoberto. Os rapazes recusam, dizendo estar ainda à espera de um amigo – Pipkin – que entretanto aparece ao longe.
Quando Pipkin se aproxima do grupo uma grande tempestade leva-o para longe e ele desaparece!


O desaparecimento do querido amigo é o ponto de partida desta aventura deliciosa, cheia de simbologia e história uma vez que, a única forma de salvar Pipkin, será acompanhando Sr. Moundshroud através dos tempos, pela história do Halloween.

Este livro vai-nos então dando uma aula a respeito desta data tão comemorada enquanto os jovens continuam a sua perseguição pelo amigo desaparecido, ao longo dos tempos. Viajam pelo Antigo Egipto, pela Grécia, pelas Gárgulas de Notre Dame e mesmo pelo mexicano Dia de Los Muertos, aprendendo as origens do Halloween e resgatando o real significado da celebração.

No final, é-nos dada uma verdadeira lição de amizade e camaradagem.


Confesso que, inicialmente, esta premissa fez-me lembrar um pouco o conceito de ‘Um Conto de Natal’ apresentando, no entanto, um único fantasma – Sr. Moundshroud – no lugar dos três fantasmas conhecidos: do Natal passado, presente e futuro.

Este livro foi editado inicialmente em 1972, com ilustrações macabras, que acompanham esta minha edição e que complementam a narrativa e o ambiente criado.

Não é uma verdadeira história de terror mas, pelo contexto em que se passa, é interessante para entreter nesta época do ano.



sábado, 17 de outubro de 2015

#009 | O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde

Autor: Oscar Wilde (Inglaterra)
Título Original: The Picture of Dorian Gray (1890)
Editora: Bertrand Editora
Edição: 1ª Edição, Maio 2010 (288 págs.)
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Hoje venho falar de O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde.

Esta é daquelas obras que, de uma forma ou de outra, já toda a gente tem uma ideia do conteúdo, seja pelas séries, filmes e diversas adaptações da mesma. No entanto, sabendo que a experiência é sempre diferente quando temos contacto com aquilo que realmente saiu da mão do autor, nada é melhor do que ler o livro.

O Retrato de Dorian Gray foi publicado pela primeira vez em Julho de 1890 na revista mensal Lippincott's Monthly Magazine.
Os editores desta publicação, temendo que a história fosse indecente, e sem o conhecimento do autor, suprimiram cerca de quinhentas palavras antes da publicação. Apesar da censura, a obra ofendeu a sensibilidade moral dos críticos literários britânicos, alguns dos quais disseram que Oscar Wilde estaria a violar as leis que protegiam a moralidade pública.

Em resposta, Wilde revisou e ampliou a obra publicada, romanceou alguns elementos, lançando-a, em 1891, em forma de livro.


Sobre a Narrativa

A narrativa desenrola-se na sociedade inglesa vitoriana e conta-nos a história de Dorian Gray – um jovem invulgarmente belo, gracioso, bem-educado e de um caráter cativante – por quem Basil Hallward, um pintor londrino, fica fascinado e desenvolve um sentimento de idolatria.
Determinado a imortalizar a beleza de Dorian numa tela, Basil convence-o a posar para si.

Basil tanto falava e tanto tecia elogios a Dorian que acabou por despertar a curiosidade de Lorde Henry – um aristocrata e amigo próximo – que defende que, acima de todas as coisas, o que realmente importa na vida é o prazer e a beleza: A beleza torna aqueles que a possuem em príncipes, e só dispomos de alguns anos para aproveitar dessa beleza e da juventude sendo que, depois disso, só restarão recordações do passado.

Basil termina então o retrato de Dorian – um retrato de corpo inteiro, pintado a óleo, e a todos surpreende por parecer captar a própria alma do jovem no quadro.

Dorian Gray fica encantado com a beleza do quadro e, influenciado pelo discurso hedonista de Lord Henry, começa a lamentar-se e a sentir-se injustiçado por constatar que o quadro preservará uma eterna beleza, enquanto ele envelhecerá a cada dia, perdendo a grande beleza retratada no quadro.

Horrorizado com este inevitável destino, Dorian expressa a intenção de manter sua beleza e a sua juventude eternamente, desejando que fosse o quadro a envelhecer em seu lugar mesmo que, para isso, fosse necessário dar a sua alma em troca.

Posteriormente, e fortalecido pela influência de Lord Henry, Dorian começa a explorar a sua sensualidade, descobrindo Sibyl Vane, uma actriz de classe baixa, que atua em peças de teatro de Shakespeare.
Dorian impressiona-se tanto com Sibyl que, por várias noites consecutivas vai vê-la nas suas apresentações, sentindo-se o mais apaixonado dos homens. Encantado pelas múltiplas facetas que Sibyl revela em palco, Dorian resolve corteja-la e propô-la casamento.

Nessa noite, preocupado com a aceitação por parte dos seus amigos, Dorian convida Basil e Lorde Henry para ver Sibyl atuar na peça Romeu e Julieta.

A apaixonada Sibyl não aguenta a felicidade de sentir-se amada pelo seu ‘Príncipe Encantado’ e percebe que o seu único conhecimento do amor foi através do amor ao teatro. Desta forma, Sibyl resolve renunciar à sua carreira de atriz para experimentar o amor verdadeiro com Dorian Gray.
Desanimado por ela ter abandonar o palco, Dorian rejeita Sibyl, dizendo-lhe que era em actuar que residia a sua beleza… sem isso, ela perderia o seu interesse.

Ao voltar para casa Dorian pensa sobre o sucedido e percebe o quanto foi cruel com Sybil, decidido a, no dia seguinte, tentar reconciliar-se. No entanto, ao olhar para o seu retrato, Dorian apercebe-se de uma subtil alteração… um pequeno trejeito no sorriso.

Dorian compreende então que o seu ‘pedido’ foi atendido, estando a sua alma a habitar o quadro. Assim, o quadro irá não só arcar com o passar dos anos, mas também com as acções – mais ou menos nobres – desenvolvidas por Dorian.

Na manha seguinte Dorian é informado que Sibyl se suicidou com ácido e decide que, a partir daí, nada mais importará além de usufruir da sua eterna juventude, perseguindo uma vida libertina e de experiências amorais.

E será essa, uma decisão inconsequente?


Num momento seguinte, Lorde Henry oferece a Dorian um livro – um romance francês, de capa amarela, moralmente venenoso – que vai influenciar determinantemente Dorian. 

[ A título de curiosidade: Nunca é, ao longo da narrativa, revelado o título do romance francês de Dorian lê mas, segundo o ‘Oscar Wilde:Art And Morality’ de Stuart Mason, Wilde terá afirmado tratar-se de À rebours, de Joris-Karl Huysmans, traduzido em Portugal como ‘Ao Arrepio’. ]

Dorian esconde o seu quadro e satisfaz-se ao perceber que, a cada atrocidade cometida, é o Dorian da tela que vai envelhecendo e adquirindo feições cada vez mais maldosas enquanto ele próprio se mantém fisicamente imutável.

Segue-se então, durante vários anos, uma vida de prazeres, na qual Dorian assume uma conduta fria, interesseira, influenciando negativamente quem o rodeia.

Dorian atinge o seu ponto mais baixo quando, numa noite, Basil vai a sua casa informá-lo de que se vai mudar para Paris, querendo despedir-se e procurando também saber da veracidade dos rumores acerca da sua pessoa.

Dorian não nega sua devassidão e leva Basil até ao quarto onde se encontra escondido o retrato que, entretanto, se havia tornado hediondo pela corrupção de Dorian.

Num acesso de raiva, Dorian culpa Basil pelo seu trágico destino e apunhala-o até à morte.
Para destruir o corpo, Dorian chantageia o um velho amigo – o químico Alan Campbell – que posteriormente se suicida por ter sido cúmplice de um assassinato.

Para esquecer a sua culpa, Dorian vai a um antigo antro de ópio, onde James Vane – irmão de Sybil – está presente. Ao ouvir alguém a referir-se a Dorian como ‘Príncipe Encantado’, James reconhece-o e procura vingar a morte da irmã.

No entanto, ao encarar Dorian, James fica surpreendido com sua juventude, acreditando ser impossível ser aquele jovem o mesmo que, há 18 anos, foi responsável pelo suicídio da irmã.

James liberta Dorian mas, logo de seguida, é abordado por uma mulher que afirma que Dorian frequenta já aquele lugar há vários anos, sem nunca aparentar o passar do tempo.
James percebe que foi ludibriado mas, nesse momento, Dorian já desapareceu.

Entretanto, numa noite, durante um jantar em sua casa, Dorian percebe que James o observa através de uma janela e começa, a partir desse momento, a temer pela sua vida e pela sua sanidade. Dorian resolve por isso retirar-se da cidade para o campo, onde se sentirá mais protegido.
Aí, durante uma caçada, um dos caçadores atira e acidentalmente mata um desconhecido, que Dorian reconhece como James Vane.

Ao retornar a Londres, Dorian informa Lorde Henry que decidiu ser bom a partir de então e questiona-se se sua bondade recém-descoberta teria revertido a sua corrupção no retrato.
No entanto, ao consultar o quadro, Dorian depara-se apenas com a pior representação de si mesmo. É neste momento que Dorian percebe que a única prova do seu mau carácter é o próprio quadro, resolvendo por isso destruí-lo. Assim, enfurecido, pega na mesma faca com que assassinou Basil Hallward e apunhala o retrato.

Ouve-se um grito!
Os empregados da casa acordam ao ouvir esse grito, vindo de um quarto fechado, enquanto na rua, os transeuntes – que também ouviram o grito – chamam a polícia.
Ao entrarem no quarto, os empregados deparam-se com um velho desconhecido, esfaqueado, de rosto seco e decrépito… Identificam, no entanto, nos seus dedos, os anéis de Dorian Gray.
Ao lado do corpo, está o retrato de Dorian que, entretanto, regressou à sua beleza original.

sábado, 3 de outubro de 2015

#008 | Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street

Autor: Desconhecido (Inglaterra)
Título Original: Sweeney Todd or The String of Pearls (1850)
Editora: Publicações Europa-América
Edição: 1ª Edição, Fevereiro 2008 (300 págs.)
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Já tinha travado conhecimento com esta história através do filme musical adaptado por Tim Burton (que adorei, diga-se de passagem!), mas só recentemente tive a curiosidade de conhecer a história original.

Este conto – um clássico do horror britânico – foi publicado inicialmente entre Novembro de 1846 e Março de 1847 com o nome The String of Pearls (Um Colar de Pérolas) no The People's Periodical and Family Library, uma série semanal de folhetins Penny Dreadful, editados por Edward Lloyd.

A sua autoria é atribuída a James Malcolm Rymer, embora sejam também atribuídos créditos a Thomas Peckett Prest. Embora sem certezas, acredita-se que cada um tenha trabalhado diferentes partes da história.
Outras atribuições incluem Edward P. Hingston, George Macfarren, e Albert Richard Smith.

A história foi então publicada em forma de livro em 1850 com o subtítulo The Barber of Fleet Street: A Domestic Romance. Esta versão da história contaria com 732 páginas.

[Imagem do livro original ]

Nos anos posteriores, surgiram muitas versões da história, nomeadamente adaptações para o palco, versões adaptadas a outros países e, mais tarde, adaptações para o cinema. A história tornou-se uma lenda urbana, sendo várias vezes recontada desde então, em adaptações em que, muitas vezes, foi drasticamente alterada a história original (e sim, a adaptação de Tim Burton encaixa-se nesta categoria).


Sobre a História

A história se passa em Londres no ano de 1785 e começa quando se começa a investigar o estranho desaparecimento de um marinheiro chamado Tenente Thornhill, aparentemente visto pela última vez quando entrava no estabelecimento de Sweeney Todd em Fleet Street.
Thornhill procurava uma rapariga chamada Johanna Oakley, na tentativa de lhe entregar um colar de pérolas a pedido do seu amante desaparecido, Mark Ingestrie.

Um dos amigos de Thornhill – Coronel Jeffrey – é alertado para o desaparecimento de Thornhill pelo seu fiel cão Hector, que se recusa a abandonar a porta da barbearia. Coronel Jeffrey resolve então investigar o paradeiro do seu amigo, sendo acompanhado por Johanna que, por sua vez, quer saber o que aconteceu a Mark.

No desenrolar da narrativa vamos então alternando entre a história de Todd, o sinistro barbeiro de Fleet Street que ‘despacha’ os seus clientes, a história de Tobias Ragg, o jovem assistente do barbeiro que, pelas suas suspeitas, teme pela sua sanidade mental, bem como a história da investigação desenvolvida por Johanna Oakley e Coronel Jeffrey.

É-nos ainda apresentada a história de Mrs. Lovett, uma bem-sucedida pasteleira que ganha a vida servido tartes de carne assada.


Numa parte inicial da narrativa, vamos então conhecendo os personagens, em capítulos dedicados a cada um deles e, enquanto avançamos na narrativa, vamos percebendo como estas histórias se entrelaçam.

Lembro que a história foi originalmente lançada em folhetins semanais e, por essa razão, nem sempre um capítulo corresponde necessariamente à continuação do anterior sendo-nos, por vezes, apresentadas as histórias paralelas dos outros personagens.
Imagino como seria ir lendo estas publicações e tentar perceber para onde a historia nos levava.

A forma como o autor (ou autores) conduz a narrativa é brilhante, uma vez que as informações nos vão sendo entregues aos poucos, permitindo-nos criar teorias sobre o que terá acontecido a Thornhill e a Mark Ingestrie.

Cedo nos é dito que, o tal Colar de Pérolas está, de facto, na posse de Sweeney Todd o que, de certa forma, nos leva a depreender que ele terá assassinado Thornhill. Mas o que aconteceu a Mark Ingestrie?
Algumas informações sobre o personagem podem fazer-nos acreditar que este terá morrido num naufrágio, embora nunca se tenha encontrado o corpo do mesmo.
Começamos assim a conhecer Sweeney Todd, assistindo à forma como este procura livrar-se do Colar de Pérolas e como, no seu dia-a-dia, vai tratando dos seus clientes.

Por outro lado, na Pastelaria da Mrs. Lovett, acompanhamos um jovem que lhe pede emprego e, sem perceber muito bem como, se vê na situação de refém, preso na sala de fornos, onde é obrigado a trabalhar em troca de alimentação.
Aí percebemos o processo de confecção das tartes e a angústia do jovem que, de repente, se recusa a comer as mesmas.

Nesta pastelaria jantava muitas vezes Tobias Ragg – o jovem assistente do barbeiro – que, por diversas razões, detesta o seu mentor e começa a suspeitar que este possa estar envolvido em alguma coisa terrível.
Estas suspeitas crescem à medida que o jovem vai encontrando objectos perdidos que os clientes esquecem na barbearia, bem como pela conscientização que, a cada vez que entra um cliente novo, o jovem é mandado a fazer recados, nunca vendo os clientes sair.

Temos ainda um quarto foco narrativo que nos descreve a investigação em torno da Igreja de St. Dunstan, na qual um odor nauseabundo começa a surgir, sem que se perceba como.

Aos poucos, todos estes focos vão se interligando, começamos a perceber as relações entre eles e as pontas soltas vão se juntando.
Para quem nunca teve contacto com a história ou nunca ouviu nenhum spoiler o final é simplesmente surreal!


Para quem conhece algumas das adaptações (como aconteceu comigo que, como referi, conhecia já o filme musical adaptado por Tim Burton) pode inicialmente estranhar a história. Isto porque, na realidade, estas adaptações fogem um pouco da história original.
A relação entre os personagens, o próprio contexto de alguns personagens (como a Mrs. Lovett, por exemplo, que no musical tem as ‘worst pies in london’ e, no original, é uma pasteleira bem sucedida), causam algum estranhamento no início mas, depois de se assumir que o livro não vai ser igual ao filme, a leitura segue!

Sim, é diferente do musical, mas isso não invalida que eu adore igualmente os dois!
E se eu o tivesse lido sem spoilers (ou expectativa) acredito que a experiência teria sido ainda mais incrível!

Recomendo vivamente a quem goste de uma boa história de horror.


sábado, 19 de setembro de 2015

#007 | O Perfume, de Patrick Süskind

Autor: Patrick Süskind (Alemanha)
Título Original: Das Parfum. Die Geschichte eines Mörders (1985)
Editora: Editorial Presença
Edição: 1ª Edição, Maio 2006 (276 págs.)
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Li este livro pela primeira vez algures entre o final de 2006 / início de 2007 e lembro-me de, na altura, ter gostado bastante.

Tenho uma história curiosa com este livro… Como referi, li-o há alguns anos e jurava que me lembrava razoavelmente bem da história. Acontece que, depois desta releitura percebi que me recordava apenas do início e do final da trama, sendo que todo o desenrolar da história, os timings dos acontecimentos, bem como alguns momentos significativos do conteúdo, se tinham varrido completamente da minha memória.


Enredo

Este livro conta então a história de Jean-Baptiste Grenouille, um Parisiense nascido no século XVIII.
Desde o seu nascimento Jean-Baptiste evidencia duas características muito particulares: Se por um lado, não possui um aroma próprio – não cheira a nada – por outro lado, tem um olfacto extremamente aguçado, refinado e preciso.

Tudo isto, assume outro valor quando, como aconteceu ao protagonista, se nasce no meio de um mercado, numa quente tarde de Verão, por trás de uma banca de peixe.

A mãe de Jean-Baptiste não era propriamente uma pessoa afectuosa e maternal e, por essa razão, o protagonista acaba por ficar aos cuidados de uma ama, contratada pelo Padre do Convento.

Ao fim de 8 anos e sem explicação prévia, o Convento deixou de pagar à ama pelos seus serviços, pelo que esta resolve deixar de cuidar de Jean-Baptiste, entregando-o a Grimal, um curtidor que aceita contratar Jean-Baptiste para os trabalhos mais sujos e pesados, na esperança que este não sobrevivesse por muito tempo.

Contudo, o menino mostra-se extremamente resistente e trabalha afincadamente, sendo neste trabalho de curtidor que Jean-Baptiste começa a explorar – olfactivamente – a cidade de Paris.

Numa das suas noites de passeio, nas comemorações do dia 1 de Setembro, Jean-Baptiste depara-se com um aroma nunca antes cheirado: o de uma jovem virgem! Jean-Baptiste segue o aroma até encontrar a moça e, desesperado, procura a todo o custo possuir o seu cheiro.

É neste momento que o subtítulo do livro – História de um Assassino – começa a fazer sentido.

Ao aperceber-se da efemeridade deste aroma, Grenouille decide que precisa de aprender a conservar odores, tornando-se este num dos grandes objectivos da sua jornada. Desta forma, poderá imortalizar os aromas, criando o aroma perfeito – como um perfume supremo – com a essência do que há de mais belo.

É por essa razão que Grenouille se apresenta como aprendiz a Baldini, um velho perfumista falido de Paris, com o qual pretende aprender a arte de conservar odores.
Baldini contrata o rapaz – após uma demonstração sensacional dos seus talentos – e, em pouco tempo, graças ao apurado nariz de Jean-Baptiste, Baldini consegue reerguer-se economicamente.

Após dominar todas as artes que Baldini que poderia ensinar, e ainda sem conseguir conservar os aromas pretendidos, Jean-Baptiste parte para o sul de França – para Grasse – onde pretende estudar as três técnicas de extracção de aroma que lhe faltariam aprender.

Ao chegar a Grasse, Grenouille fareja os aromas da região, identificando fábricas de sabonetes, de pomadas, lojas de especiarias, destilarias… distinguindo, no meio de todos esses ‘cheiros’, o aroma de uma  belíssima jovem.


A minha opinião

A escrita de Patrick Süskind, é fenomenal!

Não fosse o título do livro ‘O Perfume’, o autor é exímio na descrição de aromas, conseguindo descrições bastante vividas que, por vezes, quase fizeram com que eu sentisse esses aromas.

Além disso, Süskind é brilhante na construção dos personagens.
Ele consegue fazer-nos sentir repulsa e, simultaneamente, como que compaixão pelo personagem principal – Jean-Baptiste Grenouille – uma vez que, não obstante todas as atrocidades por este cometidas, em nenhum momento Jean-Baptiste é premeditadamente mau. Ele apenas quer coleccionar aromas. Ou seja, apesar de sabermos que o protagonista é um assassino, não conseguimos deixar de ver nele uma certa inocência e, no fundo, torcer um bocadinho para que ele consiga o seu perfume!