Autor: Hermann Ungar (Morávia, na atual República Checa)
Título Original: Die Verstümmelten (Janeiro 1922)
Editora: E- Primatur
Edição: 1ª Edição, Setembro 2015 (182 págs.)
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A minha história com este livro é interessante (acho!) uma vez que o comprei simplesmente por ter gostado do conceito da editora que o publicou – a E-Primatur.
Sobre
a E- Primatur
Conheci esta editora através de uma publicação partilhada no
Facebook e logo fiquei seduzida pelo conceito da mesma.
A
E-Primatur parte de uma ideia base que consiste em dar voz aos leitores,
percebendo o que é que o público realmente quer ler.
Esta voz é-nos dada através de um processo de crowdpublishing,
isto é, só serão editados livros cuja produção seja viabilizada pelo público.
Eu
explico melhor:
As propostas de
livros a editar são apresentadas, com seis meses de antecedência, na plataforma
da editora e é estipulado o valor necessário para tornar a edição do
livro em realidade.
Nessa fase, quem se interessar pelo livro e
quiser viabilizar a edição do mesmo, poderá fazer uma doação de um valor
previamente definido e corresponde a cerca de 2/3 do preço de capa que o livro
terá quando estiver nas livrarias.
Quando o valor
necessário para a edição tiver sido atingido,
todos os leitores que tiverem feito a doação e tenham, dessa forma,
ajudado o livro a tornar-se realidade, receberão um exemplar em casa, sem
qualquer custo adicional.
Caso
o valor necessário para a produção do livro não seja atingido, poder-se-á
dar um de dois casos:
1)
O dinheiro é devolvido aos apoiantes;
2)
O Projecto E-Primatur cobre a verba em falta, tornando o livro uma realidade.
Desta
forma, o crowdpublishing assumir-se-á também como uma forma de sondagem do mercado…
Uma forma de perceber o que é que as pessoas realmente querem ler.
Numa primeira
fase, será a
própria editora a seleccionar os títulos a projecto, centrando-se
principalmente na edição
clássicos modernos – nacionais ou estrangeiros – inéditos ou há muito
esgotados. Isto é,
obras essenciais que estão indisponíveis no nosso mercado e, que
de alguma forma, marcaram a literatura.
A
partir do segundo ano, pretende-se que leitores, colaboradores, críticos, jornalistas, livreiros e
todos aqueles que gostam de livros e da leitura façam as suas sugestões de
títulos a editar.
Assim que um livro esteja impresso, entra no circuito
comercial de distribuição nas livrarias.
Iniciando
a sua actividade com a publicação de títulos inéditos em Portugal como Voss de
Patrick White (um Prémio Nobel há muito esquecido pelas editoras) ou como O Salão Vermelho de August Strindberg e
O Caso do Camarada Tvlayev de
Victor Serge – ambos livros incluídos na lista dos "1000 Romances que todos deveriam ler" do The Guardian – esta editora promete!
Sobre o autor
Hermann
Ungar foi um escritor judeu, nascido na Morávia quando esta ainda pertencia ao
império Austro-Húngaro. Embora soubesse checo, escrevia em alemão.
Funcionário
no Ministério dos Negócios Estrangeiros da antiga Checoslováquia, Ungar
escreveu e publicou a sua primeira obra –
Meninos e Assassinos – em
1920, impondo-se logo junto à crítica. Contudo, foi com Os Mutilados de 1922 e com O
Assassinato do Capitão Hanika de 1924 que Ungar se estabeleceu no círculo
de intelectuais de Berlim, afirmando-se como escritor.
Foi
lido e apreciado por Thomas Mann e Stefan Sweig e traduzido para o francês,
sendo que, quando publicado em França, o seu nome foi saudado como o do grande
renovador da literatura de expressão alemã.
Morreu
em 1929, vítima de uma vulgar apendicite.
Com
a chegada do regime nazi, Ungar já não viveu para ver as suas obras encabeçarem
a lista de livros a destruir na Bücherverbrennung de 1933. As suas obras foram
queimadas por toda a Europa e o seu nome praticamente caiu no esquecimento.
No
final dos anos 80, com a publicação de uma nova tradução francesa da sua obra,
Ungar foi ressuscitado, voltando a merecer as atenções do universo literário.
Foi
posteriormente traduzido em mais de duas dezenas de línguas, vendo novamente o
seu nome a figurar no cânone da literatura europeia.
Profundamente
influenciado por Dostoievsky e por Freud – como o foram muitos dos
escritores do leste europeu dos anos 1920 – Ungar criou uma obra povoada de
figuras psicanalíticas, que testam até aos limites mais negros o tecido social e
abordam temáticas de choque como a sexualidade e a doença psicológica.
Sobre o livro
– Os Mutilados
Neste livro é-nos contada a história de
Franz Polzer, um funcionário
de um banco, que vive num quarto alugado na casa de uma viúva judia de classe
baixa, e que é perseguido por um medo terrível de que aconteça na sua vida algo
que ele não controle.
Polzer é um homem de alma triste, neurótico e socialmente inepto, que
procura viver uma vida o mais metódica possível, sem surpresas nem sobressaltos, num ambiente previsível, controlado e tranquilo.
É um homem simples, que vive os seus dias rotineiramente e que é
frequentemente atormentado por
recordações do seu passado e alucinações dementes envolvendo o seu pai a sua tia.
Logo nas
primeiras páginas no livro conseguimos reconhecer estas características em Polzer, percebendo-se leves traços de TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo –
sendo que o personagem vive em constante estado de alerta, na procura de manter
a ordem das coisas.
Além disso,
Polzer está num constante sofrimento, por antecipar diversas situações, sempre
com o mais trágico desfecho possível.
Dou um
exemplo:
Num
determinado momento, a senhora Porges oferece a Polzer um chapéu que tinha
pertencido ao seu falecido marido. Após usar o chapéu uma única vez, e em consequência de determinado acontecimento, Polzer diz à sua senhoria que não quer mais usar
aquele chapéu. A senhora Polzer sugere-lhe então que ele o venda…
Esse
acontecimento é suficiente para Polzer imaginar que terá ofendido a senhora
Porges, que esta o expulsará do quarto que aluga, que terá que procurar um novo
lar mas que os novos senhorios serão desonestos, será assaltado aquando a
mudança, haverão crianças na casa nova, Polzer ficará doente e terá que faltar
no Banco e o trabalho amontoar-se-á na secretária… enfim! Uma bola de neve.
Além
de tudo isso, Polzer vive ainda com uma repulsa pelos corpos femininos, pela
sexualidade e por qualquer relação social, sendo que, as únicas pessoas com
quem Polzer ainda mantém alguma relação, são Karl Fanta – um amigo de infância,
que sofre de uma terrível doença que faz com que os seus membros tenham que
ser, gradualmente, amputados – e o filho adolescente deste, Franz Fanta.
Polzer
testemunha então a deterioração física e mental do seu amigo, que se revela um
personagem revoltado e bruto nas palavras e, curiosamente, muito interessado em
conhecer a senhora Porges, senhoria de Polzer.
Mesmo
protegido pelo seu comportamento compulsivo e pela sua tentativa de manter a
rotina, Polzer acaba inevitavelmente por ser engolido pelo mundo dos outros, envolvendo-se
numa teia de mentiras, sexo e violência.
Escrito
de forma provocante e perturbadora, este
livro vai abordar temas como o trauma, a religião e a sexualidade, abordando questões
como o
incesto, a violação e o masoquismo.
Todos os personagens da história
são complexos, bem construídos e é difícil não criar, quase logo de início,
alguma empatia por Polzer e até mesmo alguma pena pela situação em que este se
vê envolvido bem como, aliado a isso, um sentimento de repulsa pelos restantes
personagens.
Em
jeito de conclusão, devo dizer que é um livro forte – pela temática e pela escrita
– que nos consegue provocar, em diversos momentos, um nózinho na garganta.
O
único reparo menos positivo que tenho a fazer a esta edição, é o facto de ter
encontrado, ao longo da leitura, algumas gralhas. Nada de significativo para a
compreensão das frases, mas ainda assim algo a notar.
Pelo
que sei, esta edição terá um número limitado de exemplares, no entanto, se
houver alguma edição futura, uma nova revisão não será má ideia.
De
resto, continuo muito interessada no conceito da editora e muito tentada a
adquirir novos títulos.
❤
Nota: Em Fevereiro de 2016 foi, de facto, lançada uma nova edição de Os Mutilados. A editora, assumindo os erros de revisão da 1ª edição, fez questão de enviar, em jeito de desculpas, um novo exemplar do livro, acompanhado de uma carta, a quem o adquiriu em regime de crowdpublishing através da plataforma da editora. Achei esta atitude atenciosa por parte da editora uma vez que não há nada que demonstre mais profissionalismo do que assumir e corrigir os próprios erros.
Nota: Em Fevereiro de 2016 foi, de facto, lançada uma nova edição de Os Mutilados. A editora, assumindo os erros de revisão da 1ª edição, fez questão de enviar, em jeito de desculpas, um novo exemplar do livro, acompanhado de uma carta, a quem o adquiriu em regime de crowdpublishing através da plataforma da editora. Achei esta atitude atenciosa por parte da editora uma vez que não há nada que demonstre mais profissionalismo do que assumir e corrigir os próprios erros.