Agatha Christie tem vários títulos "sazonais" que parecem sempre apropriados para ler ou reler em determinadas alturas do ano. Exemplos disso são, "A Aventura do Bolo de Natal" e "O Natal de Hercule Poirot", adequados para o Natal, enquanto que "A Festa das Bruxas" parece perfeita para o final de outubro.
Foi com esta ideia em mente que peguei neste livro e, talvez pelo facto de adorar a época ou também pela grande expectativa associada aos livros da autora, é com alguma pena que percebo que este livro não funcionou para mim.
Sobre a autora
Agatha Christie (1890 - 1976), foi uma escritora britânica, destacando-se no subgénero do romance policial, pelo qual ganhou popularmente, em vida, a alcunha de "Rainha do Crime".
Durante sua carreira, publicou mais de uma centena de obras, entre romances, novelas, contos e peças de teatro, sendo, segundo o Guiness Book, a romancista mais bem sucedida da história da literatura popular mundial em número total de livros vendidos. Traduzida para mais de 100 idiomas, as suas obras, juntas, venderam cerca de quatro bilhões de cópias ao longo dos séculos XX e XXI, cujos números totais ficam atrás apenas das obras vendidas do dramaturgo e poeta William Shakespeare e da Bíblia.
O seu livro mais vendido, Ten Little Niggers (publicado em Portugal como No Início, Eram Dez…ou As Dez Figuras Negras), de 1939, é também, com cerca de 100 milhões de cópias comercializadas em todo o globo, a obra de romance policial mais vendida da história, além de figurar na lista dos livros mais vendidos de todos os tempos, independentemente do género.
Agatha começou a escrever O Misterioso Caso de Styles em 1916, sendo o livro publicado em 1920 pela editora Bodley Head, após ser rejeitado por 6 editoras, e vendendo cerca de 2 000 cópias. O verdadeiro sucesso veio, contudo, em 1926 com a publicação de O Assassinato de Roger Ackroyd, sendo este o primeiro grande sucesso da autora, ainda hoje considerado uma de suas obras-primas, ainda que a solução do mistério tenha sido motivo de polémica por contrariar as regras informalmente estabelecidas dos romances policiais.
O último livro protagonizado por Hercule Poirot, Cai o Pano , foi publicado em dezembro de 1975, num momento em que Agatha já não se sentia disposta a escrever. A autora morreu 1 mês depois, em 12 de janeiro de 1976, por causas naturais (pneumonia).
Encontra-se sepultada em St Mary Churchyard, em Cholsey, Oxfordshire na Inglaterra.
Sobre o livro
O romance começa na véspera do Halloween, na pacata vila de Woodleigh Common, durante os preparativos de uma tradicional festa para adolescentes – uma Festa das Bruxas – organizada na casa da Senhora Rowena Drake.
A festa consiste numa série de jogos tradicionais, entre os quais o apple-bobbing (aquele apanhar, com a boca, de maçãs da água, que já todos vimos em filmes), seguido de um jantar.
Entre os convidados, está Ariadne Oliver, famosa autora de romances policiais – em visita à sua amiga Judith Butler – cuja presença incita a curiosidade e imaginação das crianças e jovens presentes.
Durante os preparativos, Joyce Reynolds, uma adolescente de 13 anos conhecida por ser algo mentirosa e exagerada, gaba-se publicamente de ter testemunhado um assassinato no passado, embora só tenha percebido muito mais tarde, ter-se tratado de um crime.
No momento, e por ser famosa por suas mentiras, ninguém lhe dá muito crédito, contudo, poucas horas depois, o corpo de Joyce é encontrado afogado no balde usado para o apple-bobbing, na biblioteca da casa.
Chocada com o crime, e convicta de que a morte de Joyce está ligada à sua confissão anterior, Ariadne Oliver contacta o seu velho amigo, o detetive Hercule Poirot, e pede-lhe que investigue o caso.
O início da investigação
Poirot chega à vila e rapidamente começa a sua meticulosa investigação, percebendo que precisa de resolver um mistério com duas vertentes: Quem matou Joyce e qual foi o assassinato que Joyce realmente testemunhou no passado? Terão estes dois casos realmente uma relação?
A investigação leva Poirot a desvendar antigos segredos e crimes não resolvidos na pacata comunidade: A morte da tia de Rowena, a riquíssima Sra. Llewellyn-Smythe, que morreu subitamente, embora se acredite terem sido por causas naturais; o desaparecimento da sua ama, Olga Seminoff, que desapareceu quando um codicilo que a favorecia no documento da sua patroa foi descoberto como uma falsificação e a morte de Leslie Ferrier, um assistente de advogado com ligações duvidosas e condenações anteriores por falsificação, esfaqueado pelas costas por um agressor desconhecido.
Na tentativa de obter informação e talvez ligar todos estes crimes, Poirot vai entrevistando os habitantes da cidade e é neste momento que o livro começa a perder-me…
As entrevistas são repetitivas, e todos os habitantes reforçam a ideia constante de que os criminosos não são responsáveis pelos seus atos, discursando longamente e de forma recorrente sobre os males sociais do sistema de saúde mental e a necessidade de mais camas nos hospitais psiquiátricos. Referem também, que o assassinato deve ter sido cometido por um louco que saiu de um manicómio antes do tempo, por sobrelotação, sem qualquer opinião particular ou argumentação diferenciada.
“Muitas pessoas que deveriam estar sob internamento mental não estão. Não há espaço nos asilos. Andam por aí, bem falantes, bem vestidos e parecendo iguais a todas as outras pessoas, à procura de alguém que possam matar. E a divertirem-se”
Não seria terrível se apenas duas ou três pessoas tivessem proposto esta solução, contudo, ter praticamente todos os entrevistados unanimes nesta ideia e a repetir diálogos quase idênticos tornou a leitura aborrecida. A única voz dissonante veio do próprio Poirot, que insistiu que este se tratava de um assassinato com uma motivação.
O desenrolar do caso
Então, seguindo as entrevistas, Poirot descobre alguns factos interessantes e vai começando a juntar as peças do seu puzzle.
• A filha de Judith, Miranda, era a amiga mais próxima de Joyce, e as duas partilhavam segredos. Sabia-se que Joyce mentia para chamar a atenção e, não estando Miranda presente na Festa das Bruxas, parece lógico que Joyce poder-se-á ter apropriado de uma história da amiga para chamar a atenção dos presentes.
• Elizabeth Whittaker, uma professora de matemática, testemunhou Rowena a assustar-se e a derrubar um vaso de água à porta da biblioteca enquanto os convidados da festa terminavam os seus jogos tradicionais.
• A pedido da Sra. Llewellyn-Smythe, um maravilhoso jardim foi projetado e construído no interior de uma pedreira, pelo arquiteto paisagista Michael Garfield, um homem bonito e narcisista. Este vivia numa casa de campo, no local, para supervisionar e cuidar da obra.
• Uma antiga empregada de limpeza da Sra. Llewellyn-Smythe testemunhou a sua patroa a fazer realmente o codicilo, alegadamente falsificado, levantando então a suspeita de porquê do desaparecimento de Olga e da existência de uma falsificação.
• O irmão mais novo da vítima, Leopold Reynolds, tem ostentado bastante dinheiro nos últimos tempos sendo, também ele, posteriormente, encontrado morto, afogado num rio.
• Rowena informa Poirot que o viu na biblioteca na noite da festa e acredita que ele testemunhou o assassinato da irmã.
• Poirot aconselha a polícia a vasculhar a floresta perto da pedreira sendo que, durante a busca é encontrado o corpo de Olga num poço abandonado, esfaqueado da mesma forma que Ferrier.
O Desenlace (com os Spoilers todos)
Ao analisar a rede de mentiras, chantagens e crimes passados, Poirot descobre que o assassino de Joyce era alguém disposto a tudo para manter os segredos enterrados, e que a confissão da jovem sobre o "assassinato que viu" era perigosamente verdadeira, embora ela própria não soubesse de todos os detalhes, dado ter-se apropriado de uma história de Miranda.
Após uma cena de ação um tanto quanto rocambolesca (para não dizer inverosímil e confusa), Poirot apresenta, a solução à Sra. Oliver e à Sra. Butler:
Rowena começou um caso com Garfield enquanto o seu marido moribundo ainda era vivo. Enojada com isso, a tia de Rowena – Sra. Llewellyn-Smythe – escreveu um codicilo deixando a sua fortuna a Olga. Os amantes planearam então desacreditar a reivindicação de Olga, contratando Ferrier para substituir o codicilo por uma falsificação propositadamente grosseira para garantir que Rowena herdasse tudo.
Tanto Olga como Ferrier foram assassinados para encobrir o engano, mas Rowena suspeitava que alguém tivesse testemunhado o descarte do corpo de Olga.
Ao ouvir a afirmação de Joyce durante a festa, Rowena mata Joyce, para encobrir o seu segredo, sem saber que esta se tinha apropriado da história de Miranda. A queda do vaso, presenciada pela Sra. Whittaker, serviu para disfarçar o facto de Rowena já estar molhada por ter afogado Joyce. Leopold foi assassinado porque pediu dinheiro a Rowena, e ela suspeitava que ele soubesse de mais alguma coisa.
A minha Opinião
Como já referi, este livro não funcionou para mim. Primeiramente, o contexto riquíssimo, místico e misterioso que poderia ter sido explorado pela ocasião do Halloween foi completamente abandonado. A Festa das Bruxas é o mote inicial e ponto. Poderia ser uma noite de São João que iria dar ao mesmo.
Por outro lado, contudo, o facto da vítima ser uma criança pareceu-me ousado por parte da autora e gerou-me alguma curiosidade para continuar a ler. O que levaria alguém a assassinar uma criança? Contudo, conforme a história se vai desenrolando, o choque de ser uma criança perde-se. Os adultos chamavam à pobre Joyce todos os nomes possíveis, desde mentirosa, desagradável, e especulam que possa sido morta por uma motivação sexual. No entanto, em momento algum é dito que ela é má ou fez algo de errado. Tinha apenas treze anos e foi assassinada por contar uma mentira…
“Ela era uma rapariga muito estupida – acrescentou. – Era capaz de qualquer coisa, sabe, para chamar a atenção das pessoas.”
Como referi, o desenvolvimento, foi-me perdendo por achar as entrevistas repetitivas e sem aquelas “pistas” que esperaria encontrar para eu própria tentar montar o puzzle.
Além disso, diversos aspetos da história são improváveis e difíceis de “comprar”. Falo, por exemplo, do facto de uma criança extorquir dinheiro aos assassinos da própria irmã…
Recorrer a um homicídio do passado para resolver um assassinato do presente foi algo que achei interessante embora a forma como se desenrolou a descoberta e a motivação me parecessem algo inverosímil, como que se surgisse do nada. Miranda ser filha de Michael Garfield é uma coincidência demasiado forçada e o facto de ele estar disposto a assassina-la (e ela deixar-se assassinar) para que ele possa realizar o seu sonho de criar um jardim grego perfeito foi simplesmente doloroso de ler.
Já percebi que este livro não está, de todo, na lista de favoritos dos fãs da autora pelo que, muito provavelmente, darei uma outra chance aos livros de Agatha Christie, procurando, numa próxima vez, os títulos mais icónicos.







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