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sábado, 16 de agosto de 2025

#027 | A História Interminável, de Michael Ende

Autor: Michael Ende (Alemanha)
Título Original: Die Unendliche Geschichte (1979)
Editora: Editorial Presença
Edição: 8ª Edição, 2023 (348 págs.)
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Há muito tempo que não mergulhava numa verdadeira história de Fantasia, mas, com este livro, aconteceu.

Sobre o autor

Michael Ende foi um escritor alemão, nascido em 1929, filho único de Luise Bartholoma e do pintor surrealista Edgar Ende. 
Em 1935, quando Ende tinha seis anos, a família mudou-se para o quarteirão dos artistas de Munique. Crescer num ambiente com tantas influências artísticas, e rodeado pela natureza visionária e surrealista das obras do pai, em que o mundo imaginário da pintura era tão real para ele como a vida quotidiana, acabou por influenciar a sua escrita.
Conhecido por seus livros de Fantasia, tanto para adultos como para o público infanto-juvenil, foi um dos autores alemães de maior sucesso do pós-guerra, vendendo mais de vinte milhões de livros em quarenta línguas diferentes em todo o mundo.
A sua obra inclui vários títulos infantis e juvenis, entre os quais os bestsellers internacionais, Momo e A História Interminável – ambos galardoados com prémios literários – tendo este último sido adaptado ao cinema em 1984.
Em junho de 1994, Ende foi diagnosticado com um tumor gástrico e, apesar de ter passado por vários tratamentos nos meses seguintes, a doença prosseguiu e seu estado de saúde piorou. 
Michael Ende morreu em 28 de agosto de 1995, em Filderstadt, na Alemanha, aos 65 anos.

A História Interminável

O começo

Este livro conta-nos a história de Bastian Baltasar Bux, um menino de 11 anos que, para fugir aos bullies da sua escola, se esconde dentro de um Alfarrabista. O dono, o senhor Karl Konrad Koreander, demonstra logo o seu desagrado com a presença de Bastian por ali, afirmando que não gosta de crianças.
Conforme o Sr. Karl vai tentando perceber o que o levou a entrar ali (todo encharcado da chuva), nós vamos percebendo, pelo diálogo dos dois, que Bastian é um menino gordinho, desajeitado, sem amigos, cuja mãe faleceu há pouco tempo e com uma relação distante do pai. Percebemos também que Bastian, para escapar da sua realidade, se refugia no mundo dos livros e das histórias.

Quem nunca passou tardes inteiras diante de um livro, com as orelhas a arder e o cabelo caído para a cara, esquecido de tudo o que o rodeia e sem se dar conta de que está com fome ou com frio…
Quem nunca se escondeu debaixo dos cobertores da cama a ler um livro à luz da lanterna, depois de o pai ou a mãe ou qualquer outro adulto lhe ter apagado a luz, com o argumento bem-intencionado de que são horas de ir para a cama, pois no dia seguinte é preciso levantar cedo…” (p. 14)

Num momento em que Sr. Karl tem que atender um telefonema, e aproveitando a sua distração, Bastian percebe um livro pousado sobre o seu balcão. 

Levantou o livro e mirou-o por todos os lados. A capa era de seda cor de cobre, que brilhava quando ele mudava o livro de posição. Folheando rapidamente o volume, viu que estava impresso em duas cores diferentes. Não parecia ter gravuras, mas as maiúsculas que iniciavam os capítulos eram grandes e muito ornamentadas. Examinando melhor a capa, descobriu duas serpentes, uma clara e outra escura, que mordiam mutuamente as caudas, formando uma oval. Dentro dessa oval, em letras caprichosamente entrelaçadas, estava escrito o título: A História Interminável” (p. 14)

Sem pensar muito, Bastian foge da loja, levando o livro escondido por baixo da camisola. Na impossibilidade de voltar para casa, porque ainda estava em horário escolar, mas sem vontade de ir para a aula, que já tinha começado, Bastian esconde-se no sótão da escola para ler o tão enigmático livro.


A jornada de Atreiú

Entramos assim no Capítulo 1 – Fantasia em Perigo – onde realmente começa a ser-nos contada “A História Interminável”.
Este livro conta a história de um reino sem fronteiras, chamado Fantasia, governado pela imperatriz Criança que adoece subitamente. Concomitantemente, em muitos países de Fantasia, começam a desaparecer lugares, que são substituídos por nada.
Para salvar a imperatriz, esta determina um dos habitantes de Fantasia, o jovem Atreiú, parta numa jornada em busca da cura. Para isso, a imperatriz Criança oferece-lhe o AURIN – um medalhão de ouro, representando duas serpentes, uma clara e outra escura, que mordiam a cauda uma da outra, formando uma oval – uma jóia com o poder de guiar e proteger quem a utilizar.

A imperatriz Criança era – como indicava o seu título – a soberana de todos os inumeráveis países do reino sem fronteiras de Fantasia, mas na realidade era muito mais do que soberana, ou melhor, era algo de muito diferente. (…)
Limitava-se a existir, mas a sua existência tinha um significado muito especial: ela era o centro de toda a vida de Fantasia.
E todas as criaturas, boas ou más, bonitas ou feias, alegres ou graves, loucas ou sábias, todas, mas todas, só existiam porque ela também existia. Sem ela nada podia subsistir, tal como um corpo humano não pode subsistir sem coração.” (p. 34)

Percebemos, assim, que salvar a imperatriz é a única forma de salvar toda a Fantasia.

Neste ponto, faz sentido lembrar o livro de Bastian “estava impresso em duas cores diferentes”. Isto importa porque, também os nossos exemplares vão estar impressos em duas cores. Apesar desta edição não ser a mais cuidada nesse sentido (está dividido em cinza e preto), sei que as edições anteriores vinham em preto e dourado, havendo em alguns países, edições impressas em vermelho e azul, ou vermelho e verde. Isto importa porque, a partir deste ponto, uma das cores (preto) vai reportar-se ao livro que Bastian lê, e a outra (cinza) vai remeter para o que acontece fora do livro, ou seja, no mundo em que Bastian vive: As pausas que ele faz, as observações dele em relação à história e, principalmente, o passar do tempo, marcado pelos toques do relógio da escola.
Assim, vamos acompanhando a jornada de Atreiú por Fantasia, conhecendo diferentes países e diferentes personagens com que se cruza, vivendo todos os desafios pelos quais Atreiú precisa passar para descobrir a cura. Percebemos, em vários momentos, que as dificuldades são magicamente resolvidas, por um qualquer Deus Ex Machina, o que se percebe e faz algum sentido se pensarmos que se trata de um livro de fantasia em que o protagonista tem um amuleto – o AURIN – que o protege de tudo.
Entretanto, aos poucos, damos conta que, de alguma forma, Bastian consegue “interagir” com o livro. O primeiro momento ocorre quando, num susto, as personagens conseguem ouvir um grito de Bastian.

Bastian emitiu um pequeno grito de terror.
Um grito de terror ressoou acima do ruido da batalha, ecoando várias vezes nos rochedos. Ygramul voltou o olho para a esquerda e para a direita, para ver de havia outro recém-chegado, pois o rapaz que estava á sua frente, como que paralisado pelo terror, não podia ter sido. Mas não havia mais ninguém.
“Terá sido o meu grito que ele ouviu?”, pensou Bastian muito perturbado. “Não é possível.”” (p. 64)

A jornada de Atreiú vai se desenrolando, com diversas peripécias, e passando por várias etapas, até percebermos que a salvação de Fantasia e da imperatriz Criança dependem do leitor humano: alguém, do mundo dos homens, deve dar um novo nome à imperatriz Criança, salvando assim a imperatriz e a própria Fantasia da sua terrível doença. Aí, Bastian é “convidado” a entrar na história e, após alguma hesitação, ao bater das 12 badaladas (sim, Bastian ficou a ler o dia todo), temos a fusão dos dois mundos, com a chegada de Bastian a Fantasia.

A jornada de Bastian

Quando Bastian chega a Fantasia depara-se com a escuridão total. No entanto, consegue ouvir a imperatriz Criança – agora Filha da Lua – que está agora totalmente recuperada, e que lhe diz que, em Fantasia, ele poderá desejar tudo aquilo que queira.

– Filha da Lua – murmurou ele –, é este o final?
– Não – respondeu ela –, é o princípio.
– Onde está Fantasia, Filha da Lua? Onde estão os outros todos? Onde estão Atreiú e Fuchur? Desapareceu tudo? E o Velho da Montanha Errante e o seu livro? Já não existem?
– Fantasia vai renascer dos teus desejos, Bastian. Através de mim transformar-se-ão em realidade.
(…)
– Quantos desejos posso formular?
– Tantos quantos queiras… quantos mais melhor, Bastian. Fantasia será assim mais rica e variada.” (p.158)

A Filha da Lua entretanto desaparece, deixando Bastian entregue à sua imaginação. E é quando este percebe que é, agora, detentor do AURIN.
Ao longo da jornada de Bastian vamos percebendo que tudo aquilo que ele “profetiza” ou imagina acontece realmente, fazendo-o questionar-se se foi o desejo dele que fez determinada coisa acontecer ou se, estando já tudo escrito n’A História Interminável, o próprio facto de Bastian imaginar algo, estaria já previsto.
Inicialmente, Bastian deseja aproximar-se dos seus heróis desejando ser mais forte, mais corajoso ou viver uma grande aventura… Contudo, Bastian é do mundo dos homens e nele o AURIN tem um efeito diferente do que tinha em Atreiú. Conforme os desejos de Bastian se vão realizando, Bastian vai perdendo memórias do mundo dos homens e da sua vida no mundo real.
No desenrolar deste processo – tornar-se mais relevante em Fantasia e esquecer-se das suas origens – Bastian acaba por ser corrompido pelo AURIN, querendo tomar o lugar da Filha da Lua. Assim, vai afastando os amigos que conquistou e destruindo parte de Fantasia que ele próprio criou.
No final, Bastian percebe que, se não voltar ao mundo real, vai perder-se em Fantasia dado ser impossível usar o poder da imperatriz (o AURIN) para lhe retirar esse mesmo poder. Assim, só o mais profundo desejo do seu coração o poderá fazer voltar à realidade.


A minha opinião 

Como referi no início, há muito tempo que não mergulhava numa verdadeira história de Fantasia e me deixava envolver por ela.
A estrutura da narrativa – ser uma história interminável dentro da história de Bastian, e depois fundida com ela – é interessante e permite separar a história em dois momentos: a jornada de Atreiú e a jornada de Bastian.
Apesar das muitas personagens, dos muitos cenários, a primeira parte flui rapidamente e vamos acompanhando a jornada do herói – Atreiú – pelas várias etapas, até encontrar qual será a cura da imperatriz Criança.
No entanto, quando começamos a acompanhar a segunda parte – a jornada de Bastian – a história começa a tornar-se, em alguns momentos, algo arrastada e repetitiva. Percebe-se, no final, a razão pela qual Bastian precisa de passar por todo esse arco embora, na minha opinião, desse para enxugar alguns momentos. 

Em relação à estrutura do livro, e tendo já mencionado a questão das cores, chamou-me a atenção do primeiro capítulo – Alfarrabista – ser não numerado e, a partir do início d’A História Interminável, os capítulos serem numerados – de 1 a 26 – e o texto de cada um, começar por uma letra do alfabeto, seguindo por ordem de A a Z.


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