Autor: Marina Lewycka (Inglaterra)
Título Original: A Short History of Tractors in Ukrainian (2005)
Editora: Cultura Editora
Edição: 1ª Edição, Novembro 2023 (384 págs.)
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Há alguns anos, este título chamou a minha atenção, mas, por algum motivo, não o adquiri. Recentemente, saiu uma nova edição e, ao passear por uma Fnac desta vida, reencontrei-o num expositor. Reli a sinopse e, na primeira página, deparei-me com a seguinte citação:
“Como Romeu e Julieta descobriram à sua
custa, o casamento nunca é uma simples
questão de duas pessoas se apaixonarem
tem que ver com famílias.”
Atendendo ao título e a esta premissa, achei que me iria deparar com um drama familiar escrito num tom algo cómico ou talvez nonsense, ao estilo de “O centenário que fugiu pela janela e desapareceu”, de Jonas Jonasson. Estando a precisar de leveza na minha vida, adquiri o livro.
Não podia estar mais errada…
Sinopse
Neste livro é-nos contada a história de Nadezhda e Vera, duas irmãs ucranianas que cresceram com os pais – Nikolai e Ludmilla – refugiados da Guerra, em Inglaterra, mas que nunca se deram bem. Quando a mãe morre, rompem definitivamente os laços.
Dois anos depois, quando o pai, um velho senhor de 86 anos, resolve voltar a casar com a jovem Valentina, que não tem nem metade da sua idade, as duas irmãs veem-se forçadas a reencontrar-se e a unir esforços, para impedir este casamento.
Valentina é também ucraniana, divorciada, tem um filho adolescente e é-nos apresentada como uma personagem estereotípica: loira, com seios divinais bottecellianos, sempre de salto, com roupas exuberantes cor-de-rosa que, na minha cabeça culminaram em alguém parecida com a Stifler's Mom.
Enquanto Nadezhda acredita que esta mulher possa tornar-se uma companhia para o seu velho pai, fica claro para Vera que se trata de uma oportunista em busca de dinheiro e da nacionalidade Inglesa.
O pai, por sua vez, envelhecido e senil – e longe de ser tão rico quanto Valentina julga —, deixa-se seduzir pela juventude da namorada, acreditando que esta o ama de verdade, fazendo-lhe juras de amor eterno.
A expectativa e a minha experiência de leitura
Com blurbs como “Original e Hilariante” ou “Perspicaz, leve e incrivelmente divertido” Uma Breve História dos Tratores em Ucraniano é anunciado como uma versão extremamente cómica de um drama familiar.
Contudo, ao longo da narrativa percebemos que a história tem mais camadas e não é assim tão cómica.
A história é-nos contada tendo por base 3 eixos narrativos:
No primeiro, conhecemos o momento presente desta família com os seus dramas e “peripécias”, no segundo ficamos a conhecer a história de Nikolai e Ludmilla, originários da Ucrânia e as dificuldades por eles vividas. Por fim, temos Uma Breve História dos Tratores em Ucraniano, um manuscrito desenvolvido por Nikolai, num reviver dos seus tempos de engenheiro, que se assume como um tratado sobre os tratores ucranianos e a importância que estes tiveram para o mundo.
Em relação a este terceiro arco narrativo, dos tratores, serviu para deixar algumas curiosidades sobre tratores ucranianos, para dar título à história e pouco mais. Lembrando que, na época, 80% da população ucraniana vivia no campo, é significativo que as pessoas admirassem o desenvolvimento dos tratores, contudo, não achei que efetivamente acrescentasse nada à narrativa, chegando a tornar-se aborrecido em alguns momentos. Tem o efeito de mostrar que Nikolai está a realizar o seu sonho de escrever, tem o efeito de demonstrar a importância da agricultura e dos tratores, ótimo! Não precisava ser tão extenso.
Quanto ao momento passado, este é-nos narrado de forma entrecortada, normalmente sendo Vera a contar à irmã sobre o tempo da guerra, dos campos de concentração, e do regime totalitário de Estaline.
Compreendemos aqui que há uma diferença de idades entre as duas, sendo Vera uma bebé da guerra e Nadezhda uma bebé da paz. Percebe-se um rancor entre as irmãs, a narrativa torna-se, nestes momentos, mais pesada (contam-se alguns momentos bem difíceis), mas que, ainda assim, não servem para dar uma estrutura para as personagens no momento presente. Como se o passado destas pessoas de nada servisse para o que elas são no momento atual. A exceção será talvez o facto de Nadezhda se declarar socialista, o que enfurece o pai e a irmã.
Por outro lado, penso que a única personagem em que o passado teria deixado marcas mais permanentes, teria sido em Ludmilla, uma vez que, pela fome vivida, se menciona várias vezes como ela cuidava da casa e do jardim, cultivando e plantando frutas e legumes, que obsessivamente guardava em conservas.
Estes flashbacks terminam frequentemente de forma abrupta, com Vera a interromper o discurso com uma postura vitimista do género “nem queiras saber o que passamos” ou “Não mexas no passado”, como que a deixar, de forma claramente intencional e repetitiva, um gancho, para manter a nossa curiosidade (e a de Nadezhda) vivas.
Relativamente ao momento presente, como expectável, Valentina é extremamente descuidada com a casa e com o dinheiro, deixa tudo apodrecer, vive à base de comidas congeladas, exige marcas muito específicas para as coisas que força Nikolai a fornecer-lhe, incluindo três veículos e um aspirador específico.
O que poderia ser descrito como “caricato” torna-se excessivo e, ao longo da narrativa vamos percebendo sinais de abuso emocional, físico e verbal da Valentina para com o idoso, o que me irritou verdadeiramente, uma vez que Nikolai, completamente cego pela paixão, pelo seu desejo de ter um filho e a sua aparente obrigação de salvar Valentina do seu país, continua a proclamar o seu amor por ela, demonstrando, não obstante, medo de que ela o mate.
Os momentos de humilhação a que Valentina submete Nikolai tornam-se desumanos, e estas cenas desenrolam-se por muito mais tempo do que o necessário, até as irmãs procurarem ajuda para anular o casamento. Isto, além de me irritar, fez com que a leitura deste livro se tornasse cada vez mais arrastada e preguiçosa uma vez que deixou de prender a minha atenção. Deixei de querer saber destas pessoas e queria mais é que todos se danassem!
Não obstante, insisti na leitura…
Quanto à escrita, além de ser pobre, assente em diálogos e chamadas telefónicas, apresentou também um ou outro aspeto que me incomodou. Por exemplo, a autora recorre a piadas repetitivas, que acabam por se tornar cansativas. Por exemplo, sabemos que Nadezhda é professora de sociologia, mas a irmã insiste em chama-la “assistente social”, desvalorizando a sua profissão. Teria piada uma vez, ou duas... a partir da quinta, já não se aguenta.
Outro aspeto que me intrigou, foi ao longo dos diálogos aparecerem os pensamentos de Nadezhda entre parêntesis, afirmando como o outro se sente ou o que quer dizer… Como assim? Se a narração é em primeira pessoa, como é que a personagem tem acesso aos pensamentos do outro? Achei um recurso muito básico, numa tentativa de dar profundidade a diálogos que não a têm.
Conclusão
No que diz respeito aos livros sobre imigração, este não traz nada de novo. A premissa até pode ser original e interessante, mas a execução, a meu ver, falhou.
A única coisa potencialmente interessante sobre este livro, é a mini reflexão sobre como Nadezhda, com ideais declaradamente socialista-liberais e feministas, põe a sua visão de lado quando vê uma mulher, imigrante, ameaçar os seus interesses pessoais
Esta ideia pode passar despercebida no livro, no entanto, estas contradições, foram um dos aspetos que me chamou a atenção.
❤
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