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quinta-feira, 30 de outubro de 2025

#028 | A Festa das Bruxas, de Agatha Christie

Autor: Agatha Christie (Inglaterra)
Título Original: Hallowe'en Party (1969)
Editora: Edições Asa
Edição: e-Book, 2017 (304 págs. na versão física)

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Agatha Christie tem vários títulos "sazonais" que parecem sempre apropriados para ler ou reler em determinadas alturas do ano. Exemplos disso são, "A Aventura do Bolo de Natal" e "O Natal de Hercule Poirot", adequados para o Natal, enquanto que "A Festa das Bruxas" parece perfeita para o final de outubro. 

Foi com esta ideia em mente que peguei neste livro e, talvez pelo facto de adorar a época ou também pela grande expectativa associada aos livros da autora, é com alguma pena que percebo que este livro não funcionou para mim.

Sobre a autora

Agatha Christie  (1890 - 1976), foi uma escritora britânica, destacando-se no subgénero do romance policial, pelo qual ganhou popularmente, em vida, a alcunha de "Rainha do Crime".

Durante sua carreira, publicou mais de uma centena de obras, entre romances, novelas, contos e peças de teatro, sendo, segundo o Guiness Book, a romancista mais bem sucedida da história da literatura popular mundial em número total de livros vendidos. Traduzida para mais de 100 idiomas, as suas obras, juntas, venderam cerca de quatro bilhões de cópias ao longo dos séculos XX e XXI, cujos números totais ficam atrás apenas das obras vendidas do dramaturgo e poeta William Shakespeare e da Bíblia.

O seu livro mais vendido, Ten Little Niggers (publicado em Portugal como No Início, Eram Dez…ou As Dez Figuras Negras), de 1939, é também, com cerca de 100 milhões de cópias comercializadas em todo o globo, a obra de romance policial mais vendida da história, além de figurar na lista dos livros mais vendidos de todos os tempos, independentemente do género.

Agatha começou a escrever O Misterioso Caso de Styles em 1916, sendo o livro publicado em 1920 pela editora Bodley Head, após ser rejeitado por 6 editoras, e vendendo cerca de 2 000 cópias. O verdadeiro sucesso veio, contudo, em 1926 com a publicação de O Assassinato de Roger Ackroyd, sendo este o primeiro grande sucesso da autora, ainda hoje considerado uma de suas obras-primas, ainda que a solução do mistério tenha sido motivo de polémica por contrariar as regras informalmente estabelecidas dos romances policiais.

O último livro protagonizado por Hercule Poirot, Cai o Pano , foi publicado em dezembro de 1975, num momento em que Agatha já não se sentia disposta a escrever. A autora morreu 1 mês depois, em 12 de janeiro de 1976, por causas naturais (pneumonia). 

Encontra-se sepultada em St Mary Churchyard, em Cholsey, Oxfordshire na Inglaterra.

Sobre o livro

O romance começa na véspera do Halloween, na pacata vila de Woodleigh Common, durante os preparativos de uma tradicional festa para adolescentes – uma Festa das Bruxas – organizada na casa da Senhora Rowena Drake.

A festa consiste numa série de jogos tradicionais, entre os quais o apple-bobbing (aquele apanhar, com a boca, de maçãs da água, que já todos vimos em filmes), seguido de um jantar.

Entre os convidados, está Ariadne Oliver, famosa autora de romances policiais – em visita à sua amiga Judith Butler – cuja presença incita a curiosidade e imaginação das crianças e jovens presentes. 

Durante os preparativos, Joyce Reynolds, uma adolescente de 13 anos conhecida por ser algo mentirosa e exagerada, gaba-se publicamente de ter testemunhado um assassinato no passado, embora só tenha percebido muito mais tarde, ter-se tratado de um crime.

No momento, e por ser famosa por suas mentiras, ninguém lhe dá muito crédito, contudo, poucas horas depois, o corpo de Joyce é encontrado afogado no balde usado para o apple-bobbing, na biblioteca da casa.

Chocada com o crime, e convicta de que a morte de Joyce está ligada à sua confissão anterior, Ariadne Oliver contacta o seu velho amigo, o detetive Hercule Poirot, e pede-lhe que investigue o caso.

O início da investigação

Poirot chega à vila e rapidamente começa a sua meticulosa investigação, percebendo que precisa de resolver um mistério com duas vertentes: Quem matou Joyce e qual foi o assassinato que Joyce realmente testemunhou no passado? Terão estes dois casos realmente uma relação?

A investigação leva Poirot a desvendar antigos segredos e crimes não resolvidos na pacata comunidade: A morte da tia de Rowena, a riquíssima Sra. Llewellyn-Smythe, que morreu subitamente, embora se acredite terem sido por causas naturais; o desaparecimento da sua ama, Olga Seminoff, que desapareceu quando um codicilo que a favorecia no documento da sua patroa foi descoberto como uma falsificação e a morte de Leslie Ferrier, um assistente de advogado com ligações duvidosas e condenações anteriores por falsificação, esfaqueado pelas costas por um agressor desconhecido.

Na tentativa de obter informação e talvez ligar todos estes crimes, Poirot vai entrevistando os habitantes da cidade e é neste momento que o livro começa a perder-me…

As entrevistas são repetitivas, e todos os habitantes reforçam a ideia constante de que os criminosos não são responsáveis pelos seus atos, discursando longamente e de forma recorrente sobre os males sociais do sistema de saúde mental e a necessidade de mais camas nos hospitais psiquiátricos. Referem também, que o assassinato deve ter sido cometido por um louco que saiu de um manicómio antes do tempo, por sobrelotação, sem qualquer opinião particular ou argumentação diferenciada.

“Muitas pessoas que deveriam estar sob internamento mental não estão. Não há espaço nos asilos. Andam por aí, bem falantes, bem vestidos e parecendo iguais a todas as outras pessoas, à procura de alguém que possam matar. E a divertirem-se”

Não seria terrível se apenas duas ou três pessoas tivessem proposto esta solução, contudo, ter praticamente todos os entrevistados unanimes nesta ideia e a repetir diálogos quase idênticos tornou a leitura aborrecida. A única voz dissonante veio do próprio Poirot, que insistiu que este se tratava de um assassinato com uma motivação.

O desenrolar do caso

Então, seguindo as entrevistas, Poirot descobre alguns factos interessantes e vai começando a juntar as peças do seu puzzle.

A filha de Judith, Miranda, era a amiga mais próxima de Joyce, e as duas partilhavam segredos. Sabia-se que Joyce mentia para chamar a atenção e, não estando Miranda presente na Festa das Bruxas, parece lógico que Joyce poder-se-á ter apropriado de uma história da amiga para chamar a atenção dos presentes.

Elizabeth Whittaker, uma professora de matemática, testemunhou Rowena a assustar-se e a derrubar um vaso de água à porta da biblioteca enquanto os convidados da festa terminavam os seus jogos tradicionais.

A pedido da Sra. Llewellyn-Smythe, um maravilhoso jardim foi projetado e construído no interior de uma pedreira, pelo arquiteto paisagista Michael Garfield, um homem bonito e narcisista. Este vivia numa casa de campo, no local, para supervisionar e cuidar da obra.

Uma antiga empregada de limpeza da Sra. Llewellyn-Smythe testemunhou a sua patroa a fazer realmente o codicilo, alegadamente falsificado, levantando então a suspeita de porquê do desaparecimento de Olga e da existência de uma falsificação.

O irmão mais novo da vítima, Leopold Reynolds, tem ostentado bastante dinheiro nos últimos tempos sendo, também ele, posteriormente, encontrado morto, afogado num rio. 

Rowena informa Poirot que o viu na biblioteca na noite da festa e acredita que ele testemunhou o assassinato da irmã.

Poirot aconselha a polícia a vasculhar a floresta perto da pedreira sendo que, durante a busca é encontrado o corpo de Olga num poço abandonado, esfaqueado da mesma forma que Ferrier.

O Desenlace (com os Spoilers todos)

Ao analisar a rede de mentiras, chantagens e crimes passados, Poirot descobre que o assassino de Joyce era alguém disposto a tudo para manter os segredos enterrados, e que a confissão da jovem sobre o "assassinato que viu" era perigosamente verdadeira, embora ela própria não soubesse de todos os detalhes, dado ter-se apropriado de uma história de Miranda.

Após uma cena de ação um tanto quanto rocambolesca (para não dizer inverosímil e confusa), Poirot apresenta, a solução à Sra. Oliver e à Sra. Butler:

Rowena começou um caso com Garfield enquanto o seu marido moribundo ainda era vivo. Enojada com isso, a tia de Rowena – Sra. Llewellyn-Smythe – escreveu um codicilo deixando a sua fortuna a Olga. Os amantes planearam então desacreditar a reivindicação de Olga, contratando Ferrier para substituir o codicilo por uma falsificação propositadamente grosseira para garantir que Rowena herdasse tudo.

Tanto Olga como Ferrier foram assassinados para encobrir o engano, mas Rowena suspeitava que alguém tivesse testemunhado o descarte do corpo de Olga. 

Ao ouvir a afirmação de Joyce durante a festa, Rowena mata Joyce, para encobrir o seu segredo, sem saber que esta se tinha apropriado da história de Miranda. A queda do vaso, presenciada pela Sra. Whittaker, serviu para disfarçar o facto de Rowena já estar molhada por ter afogado Joyce. Leopold foi assassinado porque pediu dinheiro a Rowena, e ela suspeitava que ele soubesse de mais alguma coisa.

A minha Opinião

Como já referi, este livro não funcionou para mim. Primeiramente, o contexto riquíssimo, místico e misterioso que poderia ter sido explorado pela ocasião do Halloween foi completamente abandonado. A Festa das Bruxas é o mote inicial e ponto. Poderia ser uma noite de São João que iria dar ao mesmo.

Por outro lado, contudo, o facto da vítima ser uma criança pareceu-me ousado por parte da autora e gerou-me alguma curiosidade para continuar a ler. O que levaria alguém a assassinar uma criança? Contudo, conforme a história se vai desenrolando, o choque de ser uma criança perde-se. Os adultos chamavam à pobre Joyce todos os nomes possíveis, desde mentirosa, desagradável, e especulam que possa sido morta por uma motivação sexual. No entanto, em momento algum é dito que ela é má ou fez algo de errado. Tinha apenas treze anos e foi assassinada por contar uma mentira…

“Ela era uma rapariga muito estupida – acrescentou. – Era capaz de qualquer coisa, sabe, para chamar a atenção das pessoas.”

Como referi, o desenvolvimento, foi-me perdendo por achar as entrevistas repetitivas e sem aquelas “pistas” que esperaria encontrar para eu própria tentar montar o puzzle.

Além disso, diversos aspetos da história são improváveis e difíceis de “comprar”. Falo, por exemplo, do facto de uma criança extorquir dinheiro aos assassinos da própria irmã…

Recorrer a um homicídio do passado para resolver um assassinato do presente foi algo que achei interessante embora a forma como se desenrolou a descoberta e a motivação me parecessem algo inverosímil, como que se surgisse do nada. Miranda ser filha de Michael Garfield é uma coincidência demasiado forçada e o facto de ele estar disposto a assassina-la (e ela deixar-se assassinar) para que ele possa realizar o seu sonho de criar um jardim grego perfeito foi simplesmente doloroso de ler.

Já percebi que este livro não está, de todo, na lista de favoritos dos fãs da autora pelo que, muito provavelmente, darei uma outra chance aos livros de Agatha Christie, procurando, numa próxima vez, os títulos mais icónicos.

sábado, 16 de agosto de 2025

#027 | A História Interminável, de Michael Ende

Autor: Michael Ende (Alemanha)
Título Original: Die Unendliche Geschichte (1979)
Editora: Editorial Presença
Edição: 8ª Edição, 2023 (348 págs.)
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Há muito tempo que não mergulhava numa verdadeira história de Fantasia, mas, com este livro, aconteceu.

Sobre o autor

Michael Ende foi um escritor alemão, nascido em 1929, filho único de Luise Bartholoma e do pintor surrealista Edgar Ende. 
Em 1935, quando Ende tinha seis anos, a família mudou-se para o quarteirão dos artistas de Munique. Crescer num ambiente com tantas influências artísticas, e rodeado pela natureza visionária e surrealista das obras do pai, em que o mundo imaginário da pintura era tão real para ele como a vida quotidiana, acabou por influenciar a sua escrita.
Conhecido por seus livros de Fantasia, tanto para adultos como para o público infanto-juvenil, foi um dos autores alemães de maior sucesso do pós-guerra, vendendo mais de vinte milhões de livros em quarenta línguas diferentes em todo o mundo.
A sua obra inclui vários títulos infantis e juvenis, entre os quais os bestsellers internacionais, Momo e A História Interminável – ambos galardoados com prémios literários – tendo este último sido adaptado ao cinema em 1984.
Em junho de 1994, Ende foi diagnosticado com um tumor gástrico e, apesar de ter passado por vários tratamentos nos meses seguintes, a doença prosseguiu e seu estado de saúde piorou. 
Michael Ende morreu em 28 de agosto de 1995, em Filderstadt, na Alemanha, aos 65 anos.

A História Interminável

O começo

Este livro conta-nos a história de Bastian Baltasar Bux, um menino de 11 anos que, para fugir aos bullies da sua escola, se esconde dentro de um Alfarrabista. O dono, o senhor Karl Konrad Koreander, demonstra logo o seu desagrado com a presença de Bastian por ali, afirmando que não gosta de crianças.
Conforme o Sr. Karl vai tentando perceber o que o levou a entrar ali (todo encharcado da chuva), nós vamos percebendo, pelo diálogo dos dois, que Bastian é um menino gordinho, desajeitado, sem amigos, cuja mãe faleceu há pouco tempo e com uma relação distante do pai. Percebemos também que Bastian, para escapar da sua realidade, se refugia no mundo dos livros e das histórias.

Quem nunca passou tardes inteiras diante de um livro, com as orelhas a arder e o cabelo caído para a cara, esquecido de tudo o que o rodeia e sem se dar conta de que está com fome ou com frio…
Quem nunca se escondeu debaixo dos cobertores da cama a ler um livro à luz da lanterna, depois de o pai ou a mãe ou qualquer outro adulto lhe ter apagado a luz, com o argumento bem-intencionado de que são horas de ir para a cama, pois no dia seguinte é preciso levantar cedo…” (p. 14)

Num momento em que Sr. Karl tem que atender um telefonema, e aproveitando a sua distração, Bastian percebe um livro pousado sobre o seu balcão. 

Levantou o livro e mirou-o por todos os lados. A capa era de seda cor de cobre, que brilhava quando ele mudava o livro de posição. Folheando rapidamente o volume, viu que estava impresso em duas cores diferentes. Não parecia ter gravuras, mas as maiúsculas que iniciavam os capítulos eram grandes e muito ornamentadas. Examinando melhor a capa, descobriu duas serpentes, uma clara e outra escura, que mordiam mutuamente as caudas, formando uma oval. Dentro dessa oval, em letras caprichosamente entrelaçadas, estava escrito o título: A História Interminável” (p. 14)

Sem pensar muito, Bastian foge da loja, levando o livro escondido por baixo da camisola. Na impossibilidade de voltar para casa, porque ainda estava em horário escolar, mas sem vontade de ir para a aula, que já tinha começado, Bastian esconde-se no sótão da escola para ler o tão enigmático livro.


A jornada de Atreiú

Entramos assim no Capítulo 1 – Fantasia em Perigo – onde realmente começa a ser-nos contada “A História Interminável”.
Este livro conta a história de um reino sem fronteiras, chamado Fantasia, governado pela imperatriz Criança que adoece subitamente. Concomitantemente, em muitos países de Fantasia, começam a desaparecer lugares, que são substituídos por nada.
Para salvar a imperatriz, esta determina um dos habitantes de Fantasia, o jovem Atreiú, parta numa jornada em busca da cura. Para isso, a imperatriz Criança oferece-lhe o AURIN – um medalhão de ouro, representando duas serpentes, uma clara e outra escura, que mordiam a cauda uma da outra, formando uma oval – uma jóia com o poder de guiar e proteger quem a utilizar.

A imperatriz Criança era – como indicava o seu título – a soberana de todos os inumeráveis países do reino sem fronteiras de Fantasia, mas na realidade era muito mais do que soberana, ou melhor, era algo de muito diferente. (…)
Limitava-se a existir, mas a sua existência tinha um significado muito especial: ela era o centro de toda a vida de Fantasia.
E todas as criaturas, boas ou más, bonitas ou feias, alegres ou graves, loucas ou sábias, todas, mas todas, só existiam porque ela também existia. Sem ela nada podia subsistir, tal como um corpo humano não pode subsistir sem coração.” (p. 34)

Percebemos, assim, que salvar a imperatriz é a única forma de salvar toda a Fantasia.

Neste ponto, faz sentido lembrar o livro de Bastian “estava impresso em duas cores diferentes”. Isto importa porque, também os nossos exemplares vão estar impressos em duas cores. Apesar desta edição não ser a mais cuidada nesse sentido (está dividido em cinza e preto), sei que as edições anteriores vinham em preto e dourado, havendo em alguns países, edições impressas em vermelho e azul, ou vermelho e verde. Isto importa porque, a partir deste ponto, uma das cores (preto) vai reportar-se ao livro que Bastian lê, e a outra (cinza) vai remeter para o que acontece fora do livro, ou seja, no mundo em que Bastian vive: As pausas que ele faz, as observações dele em relação à história e, principalmente, o passar do tempo, marcado pelos toques do relógio da escola.
Assim, vamos acompanhando a jornada de Atreiú por Fantasia, conhecendo diferentes países e diferentes personagens com que se cruza, vivendo todos os desafios pelos quais Atreiú precisa passar para descobrir a cura. Percebemos, em vários momentos, que as dificuldades são magicamente resolvidas, por um qualquer Deus Ex Machina, o que se percebe e faz algum sentido se pensarmos que se trata de um livro de fantasia em que o protagonista tem um amuleto – o AURIN – que o protege de tudo.
Entretanto, aos poucos, damos conta que, de alguma forma, Bastian consegue “interagir” com o livro. O primeiro momento ocorre quando, num susto, as personagens conseguem ouvir um grito de Bastian.

Bastian emitiu um pequeno grito de terror.
Um grito de terror ressoou acima do ruido da batalha, ecoando várias vezes nos rochedos. Ygramul voltou o olho para a esquerda e para a direita, para ver de havia outro recém-chegado, pois o rapaz que estava á sua frente, como que paralisado pelo terror, não podia ter sido. Mas não havia mais ninguém.
“Terá sido o meu grito que ele ouviu?”, pensou Bastian muito perturbado. “Não é possível.”” (p. 64)

A jornada de Atreiú vai se desenrolando, com diversas peripécias, e passando por várias etapas, até percebermos que a salvação de Fantasia e da imperatriz Criança dependem do leitor humano: alguém, do mundo dos homens, deve dar um novo nome à imperatriz Criança, salvando assim a imperatriz e a própria Fantasia da sua terrível doença. Aí, Bastian é “convidado” a entrar na história e, após alguma hesitação, ao bater das 12 badaladas (sim, Bastian ficou a ler o dia todo), temos a fusão dos dois mundos, com a chegada de Bastian a Fantasia.

A jornada de Bastian

Quando Bastian chega a Fantasia depara-se com a escuridão total. No entanto, consegue ouvir a imperatriz Criança – agora Filha da Lua – que está agora totalmente recuperada, e que lhe diz que, em Fantasia, ele poderá desejar tudo aquilo que queira.

– Filha da Lua – murmurou ele –, é este o final?
– Não – respondeu ela –, é o princípio.
– Onde está Fantasia, Filha da Lua? Onde estão os outros todos? Onde estão Atreiú e Fuchur? Desapareceu tudo? E o Velho da Montanha Errante e o seu livro? Já não existem?
– Fantasia vai renascer dos teus desejos, Bastian. Através de mim transformar-se-ão em realidade.
(…)
– Quantos desejos posso formular?
– Tantos quantos queiras… quantos mais melhor, Bastian. Fantasia será assim mais rica e variada.” (p.158)

A Filha da Lua entretanto desaparece, deixando Bastian entregue à sua imaginação. E é quando este percebe que é, agora, detentor do AURIN.
Ao longo da jornada de Bastian vamos percebendo que tudo aquilo que ele “profetiza” ou imagina acontece realmente, fazendo-o questionar-se se foi o desejo dele que fez determinada coisa acontecer ou se, estando já tudo escrito n’A História Interminável, o próprio facto de Bastian imaginar algo, estaria já previsto.
Inicialmente, Bastian deseja aproximar-se dos seus heróis desejando ser mais forte, mais corajoso ou viver uma grande aventura… Contudo, Bastian é do mundo dos homens e nele o AURIN tem um efeito diferente do que tinha em Atreiú. Conforme os desejos de Bastian se vão realizando, Bastian vai perdendo memórias do mundo dos homens e da sua vida no mundo real.
No desenrolar deste processo – tornar-se mais relevante em Fantasia e esquecer-se das suas origens – Bastian acaba por ser corrompido pelo AURIN, querendo tomar o lugar da Filha da Lua. Assim, vai afastando os amigos que conquistou e destruindo parte de Fantasia que ele próprio criou.
No final, Bastian percebe que, se não voltar ao mundo real, vai perder-se em Fantasia dado ser impossível usar o poder da imperatriz (o AURIN) para lhe retirar esse mesmo poder. Assim, só o mais profundo desejo do seu coração o poderá fazer voltar à realidade.


A minha opinião 

Como referi no início, há muito tempo que não mergulhava numa verdadeira história de Fantasia e me deixava envolver por ela.
A estrutura da narrativa – ser uma história interminável dentro da história de Bastian, e depois fundida com ela – é interessante e permite separar a história em dois momentos: a jornada de Atreiú e a jornada de Bastian.
Apesar das muitas personagens, dos muitos cenários, a primeira parte flui rapidamente e vamos acompanhando a jornada do herói – Atreiú – pelas várias etapas, até encontrar qual será a cura da imperatriz Criança.
No entanto, quando começamos a acompanhar a segunda parte – a jornada de Bastian – a história começa a tornar-se, em alguns momentos, algo arrastada e repetitiva. Percebe-se, no final, a razão pela qual Bastian precisa de passar por todo esse arco embora, na minha opinião, desse para enxugar alguns momentos. 

Em relação à estrutura do livro, e tendo já mencionado a questão das cores, chamou-me a atenção do primeiro capítulo – Alfarrabista – ser não numerado e, a partir do início d’A História Interminável, os capítulos serem numerados – de 1 a 26 – e o texto de cada um, começar por uma letra do alfabeto, seguindo por ordem de A a Z.