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sábado, 24 de janeiro de 2015

#004 | Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf

Autor: Virgínia Woolf (Inglaterra)
Título Original: Mrs. Dalloway (1925)
Editora: Clube do Autor
Edição: 1ª Edição, Agosto 2011 (203 págs.)
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‘Mrs. Dalloway said she would buy the flowers herself’

Hoje venho falar um pouco do incrível Mrs Dalloway de Virgínia Woolf.

A história decore na Londres dos anos 20 – após o término da I Grande Guerra – e começa quando Clarissa Dalloway – esposa de um deputado conservador e mãe de uma jovem de dezassete anos – sai de casa para ir comprar as flores, para a festa que daria nessa noite.

No seu caminho pelas ruas de Londres até à floricultura, Mrs. Dalloway vai observando o que se passa à sua volta e vai ocupando a sua mente com diversos pensamentos, entre os quais, memórias do passado e a sua juventude.


No seu percurso, Mrs. Dalloway cruza-se com uma série de outras personagens que, gradualmente, nos vão sendo apresentadas.
De entre estas destaca-se Septimus Warren Smith, um veterano da Primeira Guerra Mundial, casado com uma imigrante italiana. Septimus é um homem com profundas cicatrizes psicológicas e prestes a enlouquecer e que, nessa manhã, acompanhado pela sua esposa, se dirige ao psiquiatra.

O percurso destes personagens vai-nos então sendo narrado a partir das reflexões dos mesmos. Isto é, através de uma técnica de fluxo de consciência, a autora conta a história a partir do pensamento dos personagens: sabemos o pensam e o que sentem, sendo estes pensamentos geralmente questionamentos sobre situações do dia-a-dia, ideias ou mesmo lembranças do passado.
Desta maneira, a narrativa constrói-se sem uma linha temporal fixa, alternando entre o passado e o presente, na qual acedemos ao íntimo dos personagens, aos seus sentimentos mais privados, às suas contradições e aflições.

Por meio de uma alternância constante entre o discurso direto,  indireto e  indireto livre – que tornam ímpar o desenvolvimento do fluxo de consciência vamos revezando muitas vezes entre os pensamentos dos diferentes personagem, numa alternância deveras subtil que, por vezes torna difícil perceber que já estamos na mente de outra pessoa.

O enfoque vai então para o que cada um pensa e sente, estando a acção – o que cada um faz – muitas vezes posta para um segundo plano. Por esta razão, essa acção (sair de uma sala ou abrir uma porta) é-nos muitas vezes descrita entre parêntesis, como se de um pormenor apenas de tratasse.


Além de Clarissa e Septimus, somos ainda apresentados a outros personagens – que entram e saem de cena sem aviso prévio e sem marcação que distinga suas falas e suas ideias – conhecendo o ponto de vista de todos eles. Desta maneira, as personagens vão, ao longo da narrativa, adquirindo uma grande consistência, tornando-se credíveis e reais.

Durante os seus preparativos para a festa, Clarissa recebe a visita de Peter Walsh – o seu primeiro amor, preterido por ela e por seu pai em favor de Richard – o Mr. Dalloway – em virtude de sua condição financeira e social.
Peter, regressado da Índia, volta a Londres para falar com seus advogados sobre o seu divórcio e o seu regresso vai despertar em Clarissa memórias o passado, trazendo-lhe à lembrança os sonhos adolescentes, acordando na anfitriã sentimentos contraditórios.

Clarissa repensa nas suas escolhas de vida, nos seus momentos de mais intensa felicidade, no seu casamento com Richard Dalloway, pensa na filha adolescente – Elizabeth, em miudezas da existência e no esplendor da vida, forçando-a a reflectir sobre o tempo presente e sobre o que teria sido de sua vida se, porventura, suas escolhas tivessem sido outras.

Outro interesse romântico de Clarissa que também aparece na festa e a deixa ainda mais confusa é Sally – a completa antítese da protagonista.
Sally teve um papel importante na vida da jovem Clarissa, pois foi das poucas pessoas pobres com quem ela conviveu. Mostrou-lhe que era possível aproveitar a vida sem dinheiro e foi uma mulher que,  pelo seu comportamento livre e espontâneo e pela sua falta de pudor, chocava os outros. Foi uma mulher com quem Clarissa partilhou um amor puro e juvenil na adolescência.

Paralelamente aos preparativos da festa de Clarissa, vamos acompanhando a caminhada de Septimus, nas suas frequentes visitas ao Psiquiatra, as suas alucinações com o seu grande amigo Evans – que morreu na guerra – rumando à recomendação de internamento num hospital psiquiátrico.

É interessante notar que, apesar de Clarissa e Septimus partilharem a mesma cidade, ruas, parques e momentos, nunca, ao longo da narrativa, se falam ou se encontram.

E enquanto Septimus expõe a sua dor ao mundo, Clarissa, por outro lado, esconde o seu silêncio, cobre-o com uma capa de falsa confiança e com festas.


E é assim, entre o passado e o presente, entre os pensamentos de diferentes personagens que vamos avançando na narrativa, e avançando no tempo até ao culminar na festa de Clarissa.

Aliás, esse passar do tempo, é uma referência constante ao longo do livro, marcado pelas batidas do relógio (lembrando que o título inicial para o livro seria 'As Horas'...)

Publicado em 1925,  Mrs. Dalloway é considerado por muitos a obra mais importante de Virginia Woolf (1882-1941) e comprovou que acções corriqueiras, quotidianas – como comprar flores –, podem ser tema de grande arte, e que a vida e a morte acompanham todos os momentos da existência humana.

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