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sábado, 24 de janeiro de 2015

#005 | Alice No País das Maravilhas, de Lewis Carroll

Autor: Lewis Carroll (Inglaterra)
Título Original: Alice's Adventures in Wonderland (1865)
Editora: Publicações Europa-América
Edição: 1ª Edição, Março 2010 (148 págs.)
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Hoje venho falar de um livro cuja história, certamente já todos conhecemos ou ouvimos falar: Alice No País das Maravilhas.

Conheci a história, talvez como a maioria dos da minha geração, através da longa-metragem adaptada pela Disney em 1951 e adorava essa animação!

Mais recentemente, em 2010, recordei a história através da adaptação dirigida por Tim Burton mas só agora, em 2015, li a história original… A que deu origem a todas estas adaptações!

O Livro

Alice's Adventures in Wonderland (Alice No País das Maravilhas) foi escrito por Lewis Carroll, (pseudónimo de Charles Lutwidge Dodgson), sendo actualmente considerada uma obra clássica da literatura inglesa e uma das mais célebres do género literário nonsense.

A história nasceu em 1862, quando Dodgson, professor de matemática no Christ College, em Oxford, fazia um passeio de barco no rio Tamisa com as três filhas do reitor da Christ Church, entre elas, a pequena Alice Liddell (com 10 anos na época). Para entreter as meninas, ele começou a contar uma história que deu origem à atual, sobre uma menina chamada Alice que foi parar a um mundo fantástico após cair numa toca de um coelho. A Alice da vida real gostou tanto da história que pediu que Carroll a escrevesse. Dodgson atendeu ao pedido e em 1864 surpreendeu-a com um manuscrito chamado Alice's Adventures Underground (As Aventuras de Alice debaixo da Terra).

A versão definitiva, ampliada, é apenas publicada a 4 de Julho de 1865 em Londres, já sob o pseudónimo Lewis Carroll, sendo um sucesso imediato na época.


O enredo

O livro conta a história de Alice, uma menina curiosa, que está com sua irmã à beira de um rio, quando vê um coelhinho branco passar diante dela, vestido de colete, e com um relógio na mão, dizendo que estava atrasado. Ele entra em uma grande toca e Alice, seguindo o coelho, cai na sua toca e vai parar num lugar fantástico povoado por criaturas peculiares e antropomórficas – o País das Maravilhas.

Alice vai explorando esse País das Maravilhas, tentando compreender o funcionamento do mesmo, e tomando conhecimento dos indivíduos que lá habitam: Bill, um Lagarto faz-tudo que vive a receber ordens, uma Lagarta azul que passa os dias a fumar um cachimbo de água, o eterno chá na casa da Lebre de Março, acompanhada do Chapeleiro Maluco e do Arganaz dorminhoco, o inesquecível Gato Cheshire e, claro, a Rainha de Copas, injusta e cruel, sempre disposta a mandar cortar a cabeça de qualquer um e por qualquer motivo.

Considerada uma história nonsense, ou seja, totalmente desprovida de sentido, estes diferentes personagens e diferentes núcleos, são-nos apresentados de forma completamente fantasiosa e repleta de situações invulgares e esquisitas, remetendo-nos para a lógica do absurdo muito característica dos sonhos.

Dividido em 12 capítulos, a história é curta e fluída, narrada numa escrita simples abundante em metáforas. Além disso, o livro está repleto de alusões satíricas dirigidas ao círculo de amigos (e outros não tão amigos) do autor, bem como de paródias a poemas populares infantis ingleses ensinados no século XIX e ainda de trocadilhos e referências linguísticas.

Este livro possui uma continuação – Alice do Outro Lado do Espelho – sendo que, actualmente, as duas histórias são muitas vezes editadas um livro só.

Esta edição vem com as ilustrações originais, de John Tenniel (muito conhecido pelas ilustrações das Fábulas de Esopo) que dão um toque de magia à história.


A minha opinião

Então… como expor a minha opinião sem ferir susceptibilidades?

A verdade é que me desiludi! Talvez por ter ido com muita sede ao pote – demasiada expectativa – acabei por me desiludir.

Como referi, adorei a adaptação da Disney e criei, no meu imaginário, uma Alice curiosa, divertida que, apesar de cair num cenário completamente sem sentido, alinha na situação e vai seguindo o seu rumo.

Já no livro, achei a Alice uma personagem extremamente... chatinha! Racionaliza muito o que se passa à volta dela o que, para mim, dado o contexto, não faz sentido nenhum! 

É sabido que nas histórias escritas para crianças, não há real necessidade de as coisas fazerem muito sentido, havendo a liberdade de nos remeter para mundos diferentes, em que tudo pode acontecer: os animais podem falar, os objetos podem ter vida… Contudo, apesar de se tratar de uma criança no País das Maravilhas, repleto de fantasia e situações inusitadas, a Alice põe-se a racionalizar tudo, e a avaliar a lógica das situações, o que não condiz com o ambiente em que se passa a história. Por exemplo, Alice não estranha os animais falarem, mas acha absurdo um porco ser tratado como um bebé…

Enfim… Quebrou-se o meu mito da Alice!

Como já referi, muitos dos enigmas contidos na obra contêm referências da época, como piadas locais, alusões a costumes, características, rimas ou trocadilhos que só fazem sentido na língua inglesa, pelo que são quase que imperceptíveis para os leitores atuais, especialmente para os não-anglófonos.
Por esse motivo, quanto às mensagens subliminares que ‘só adultos irão entender’, mais uma vez, vi-os sim… mas na adaptação da Disney! Sinto que, no livro, muitas dessas referências me passaram ao lado.

Senti, por isso, muita falta de notas explicativas que falassem sobre isso, ou mesmo de alguma espécie de texto de apoio sobre esses pontos do livro. Talvez um dia, quando estudar mais sobre o contexto histórico em que o livro foi escrito, possa entender melhor a história e apreciá-la melhor. Ou então, se me decidir a reler uma edição em inglês.

Sei de imensa gente que faz coleção dos livros em diferentes edições – algumas delas lindíssimas – e tenho realmente pena de não ter gostado tanto do livro assim ao ponto de querer investir numa edição mais caprichada… 
No fundo, gostava de ser daquelas pessoas que tem um livro do qual gosta tanto, mas tanto, que coleciona edições.




#004 | Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf

Autor: Virgínia Woolf (Inglaterra)
Título Original: Mrs. Dalloway (1925)
Editora: Clube do Autor
Edição: 1ª Edição, Agosto 2011 (203 págs.)
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‘Mrs. Dalloway said she would buy the flowers herself’

Hoje venho falar um pouco do incrível Mrs Dalloway de Virgínia Woolf.

A história decore na Londres dos anos 20 – após o término da I Grande Guerra – e começa quando Clarissa Dalloway – esposa de um deputado conservador e mãe de uma jovem de dezassete anos – sai de casa para ir comprar as flores, para a festa que daria nessa noite.

No seu caminho pelas ruas de Londres até à floricultura, Mrs. Dalloway vai observando o que se passa à sua volta e vai ocupando a sua mente com diversos pensamentos, entre os quais, memórias do passado e a sua juventude.


No seu percurso, Mrs. Dalloway cruza-se com uma série de outras personagens que, gradualmente, nos vão sendo apresentadas.
De entre estas destaca-se Septimus Warren Smith, um veterano da Primeira Guerra Mundial, casado com uma imigrante italiana. Septimus é um homem com profundas cicatrizes psicológicas e prestes a enlouquecer e que, nessa manhã, acompanhado pela sua esposa, se dirige ao psiquiatra.

O percurso destes personagens vai-nos então sendo narrado a partir das reflexões dos mesmos. Isto é, através de uma técnica de fluxo de consciência, a autora conta a história a partir do pensamento dos personagens: sabemos o pensam e o que sentem, sendo estes pensamentos geralmente questionamentos sobre situações do dia-a-dia, ideias ou mesmo lembranças do passado.
Desta maneira, a narrativa constrói-se sem uma linha temporal fixa, alternando entre o passado e o presente, na qual acedemos ao íntimo dos personagens, aos seus sentimentos mais privados, às suas contradições e aflições.

Por meio de uma alternância constante entre o discurso direto,  indireto e  indireto livre – que tornam ímpar o desenvolvimento do fluxo de consciência vamos revezando muitas vezes entre os pensamentos dos diferentes personagem, numa alternância deveras subtil que, por vezes torna difícil perceber que já estamos na mente de outra pessoa.

O enfoque vai então para o que cada um pensa e sente, estando a acção – o que cada um faz – muitas vezes posta para um segundo plano. Por esta razão, essa acção (sair de uma sala ou abrir uma porta) é-nos muitas vezes descrita entre parêntesis, como se de um pormenor apenas de tratasse.


Além de Clarissa e Septimus, somos ainda apresentados a outros personagens – que entram e saem de cena sem aviso prévio e sem marcação que distinga suas falas e suas ideias – conhecendo o ponto de vista de todos eles. Desta maneira, as personagens vão, ao longo da narrativa, adquirindo uma grande consistência, tornando-se credíveis e reais.

Durante os seus preparativos para a festa, Clarissa recebe a visita de Peter Walsh – o seu primeiro amor, preterido por ela e por seu pai em favor de Richard – o Mr. Dalloway – em virtude de sua condição financeira e social.
Peter, regressado da Índia, volta a Londres para falar com seus advogados sobre o seu divórcio e o seu regresso vai despertar em Clarissa memórias o passado, trazendo-lhe à lembrança os sonhos adolescentes, acordando na anfitriã sentimentos contraditórios.

Clarissa repensa nas suas escolhas de vida, nos seus momentos de mais intensa felicidade, no seu casamento com Richard Dalloway, pensa na filha adolescente – Elizabeth, em miudezas da existência e no esplendor da vida, forçando-a a reflectir sobre o tempo presente e sobre o que teria sido de sua vida se, porventura, suas escolhas tivessem sido outras.

Outro interesse romântico de Clarissa que também aparece na festa e a deixa ainda mais confusa é Sally – a completa antítese da protagonista.
Sally teve um papel importante na vida da jovem Clarissa, pois foi das poucas pessoas pobres com quem ela conviveu. Mostrou-lhe que era possível aproveitar a vida sem dinheiro e foi uma mulher que,  pelo seu comportamento livre e espontâneo e pela sua falta de pudor, chocava os outros. Foi uma mulher com quem Clarissa partilhou um amor puro e juvenil na adolescência.

Paralelamente aos preparativos da festa de Clarissa, vamos acompanhando a caminhada de Septimus, nas suas frequentes visitas ao Psiquiatra, as suas alucinações com o seu grande amigo Evans – que morreu na guerra – rumando à recomendação de internamento num hospital psiquiátrico.

É interessante notar que, apesar de Clarissa e Septimus partilharem a mesma cidade, ruas, parques e momentos, nunca, ao longo da narrativa, se falam ou se encontram.

E enquanto Septimus expõe a sua dor ao mundo, Clarissa, por outro lado, esconde o seu silêncio, cobre-o com uma capa de falsa confiança e com festas.


E é assim, entre o passado e o presente, entre os pensamentos de diferentes personagens que vamos avançando na narrativa, e avançando no tempo até ao culminar na festa de Clarissa.

Aliás, esse passar do tempo, é uma referência constante ao longo do livro, marcado pelas batidas do relógio (lembrando que o título inicial para o livro seria 'As Horas'...)

Publicado em 1925,  Mrs. Dalloway é considerado por muitos a obra mais importante de Virginia Woolf (1882-1941) e comprovou que acções corriqueiras, quotidianas – como comprar flores –, podem ser tema de grande arte, e que a vida e a morte acompanham todos os momentos da existência humana.