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sexta-feira, 30 de agosto de 2024

#020 | Como Fazer Amor com um Negro sem se Cansar, de Dany Laferrière

Autor: Dany Laferrière (Haiti)
Título Original: Comment faire l’amour avec un Nègre sans se fatiguer (1985)
Editora: Antígona
Edição: 1ª Edição, Novembro de 2022 (152 págs.)
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Pelo título, pode parecer um manual de instruções ou o resultado de um estudo etnográfico, mas não! Não é disso que se trata.

Sobre o Autor 

Nascido em Porto Príncipe, em abril de 1953, Dany Laferrière cresceu em Petit-Goâve, abandonando o seu país natal nos anos 70, fugido ao regime de Baby Doc, após o assassinato do seu colega e amigo, o jornalista Gasner Raymond. Estabeleceu-se no Quebec, onde ocupou vários empregos antes de começar a escrever.

O seu primeiro romance, Como Fazer Amor com um Negro Sem se Cansar, foi publicado em 1985, sendo um sucesso imediato. Laferrière tornou-se então um dos principais representantes de uma nova geração de escritores no panorama literário do Quebec.

Sinopse

Este livro conta-nos a história de dois negros, sem um tostão, num Verão escaldante nos anos 70, em Montreal: Cota, aspirante a escritor, fortemente inspirado em Bukowski e Miller, que, armado com uma Remington 22, quer mandar “James Baldwin arrumar as botas”, e Bouba – o Buda Negro – fanático por Coltrane, que vive refastelado a ler Freud e o Alcorão, como um ermita, no divã da “pocilga apertada”, o acanhado apartamento que os dois partilham.
Os dois levam uma alegre vida boémia, onde o sexo, o jazz e a literatura funcionam como princípios norteadores.

Em nome da desforra pela colonização, travam a luta racial na horizontal, assombrados pelo portento sexual do prédio – o Belzebu do Andar de Cima –, que ameaça desmoronar-lhes o teto.


A história é narrada por Cota, que encontramos frequentemente, durante o dia, perante a sua Remington 22 a trabalhar no seu primeiro romance – Paraíso do Preto Engatatão – e, durante a noite, a viver o paraíso do preto engatatão, na companhia de jovens estudantes da Universidade McGill, todas brancas, burguesas, de classe alta.
Nenhuma destas jovens tem nome sendo mencionadas pela característica que nelas se destaca: Miz Literatura, Miz Snobe, Miz Suicídio, Miz Sophisticated Lady, Miz Punk.

O autor não poupa detalhes relativamente à performance sexual que Cota concretiza com estas jovens  (note-se os nomes dos capítulos, como “E eis que Miz Literatura me faz um broche de alto lá com ele” ou “Como uma flor na ponta da minha pila preta”), sendo estas narradas sempre numa perspetiva de “reparação histórica” da objetificação dos negros, pelos colonizadores, tanto a nível social, quanto sexual. Por outro lado, as mulheres são retratadas como não resistindo ao charme exótico de um negro, que lhes desperta um intenso e insuperável interesse sexual.

Quando não se dedica ao sexo, Cota frequenta uma variedade de bares e cafés com outros emigrados negros, discutindo a situação dos homens negros na cidade e a sua busca incessante por mulheres brancas.

A minha experiência de leitura

Poderíamos ler este livro como “uma sátira feroz” aos estereótipos, clichés racistas e às relações raciais e de género na América do Norte, marcando-se essa crítica por um humor ácido.
Não obstante, poderíamos ler também a obra como uma apresentação interminável (de 152 páginas!) onde ficamos a saber que o autor fode muito, conhece uma boa dúzia de músicos de jazz, que cita inúmeras vezes nas suas páginas e que conhece outra boa meia dúzia de autores, sem falar do Alcorão.

Ou seja, existe sim, uma critica à colonização, existe sim uma percepção de como se mantém o fetichismo em relação aos negros, contudo, as exageradas cenas de sexo podem diluir essa ideia. 

“Esta casa respira calma, tranquilidade, ordem. A Ordem dos Que Pilhavam África. A Inglaterra rainha dos mares… Aqui, tudo está no seu lugar. Tirando eu. É preciso dizer que me encontro aqui unicamente para comer a rapariga. (…) estou aqui para foder a filha destes diplomatas cheios de arrogância que nos fustigavam a golpes de chibata.” (pág. 93)

O facto de as mulheres serem unidimensionais, uma Miz aleatória qualquer, pretende inverter a ideia do branco colonizador, impondo-se o homem negro como o macho dominante, apenas, contudo, quando se trata de sexo. Como refere o autor “(…) a História, à falta de ser benevolente para connosco, serve-nos de afrodisíaco”.

No início deste texto deixei uma nota sobre o autor uma vez que é fácil traçar um paralelismo entre Dany, autor de Como Fazer Amor com um Negro Sem se Cansar e Cota, autor de Paraíso do Preto Engatatão.
Não que a história tenha necessariamente algo de autobiográfico, no entanto, a imaginária entrevista final que o autor dá para um programa de rádio, parece por em evidencia esse paralelismo. 

E porque não?