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sábado, 24 de março de 2018

#017 | A Porta, de Magda Szabó

Autor: Magda Szabó (Húngria)
Título Original: Az Ajtó (1987)
Editora: Cavalo de Ferro
Edição: 2ª Edição, Setembro 2017 (240 págs.)
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Há livros com os quais temos uma relação difícil. Para mim, este foi um deles.

Sobre a autora

Magda Szabó é uma poetisa, ensaísta, memorialista e romancista húngara, nascida em Debrecen, no seio de uma família protestante. 

Estudou Latim e Húngaro na Universidade da sua cidade natal e trabalhou como professora durante o período de ocupação alemã e soviética do país. 

Publicou dois livros de poesia sendo galardoada com o Prémio Baumgartner, em 1949. Contudo, o prémio foi-lhe retirado logo de seguida por razões políticas.

Esteve impedida de publicar durante vários anos, alvo de censura, retomando carreira literária em 1958 com o romance Freskó (Fresco). No entanto, só com a publicação do romance Az ajtó (A Porta), em 1987, alcançou a projeção internacional.

Falecida em novembro de 2007, Magda Szabó tem a sua obra traduzida para mais de 30 línguas e foi distinguida com inúmeros prémios internacionais.


Sobre a obra

Este romance, situado em Budapeste no pós-guerra, conta a história de Magda, a narradora, e Emerence, a sua mulher-a-dias.

Magda é escritora e vê, no início do romance, levantada a interdição do regime comunista que até então a impedia de publicar, tornando-se escritora a tempo inteiro. 

Magda muda-se então com o seu marido, um académico, para uma nova casa e sente necessidade contratar uma mulher-a-dias, sendo-lhe recomendada Emerence. 

Emerence, descrita como uma ‘velha senhora’ é uma camponesa, praticamente analfabeta, mas dona de uma energia interminável, que trabalha como porteira e que cuida de várias casas no bairro. Emerence não é uma empregada comum e estabelece, desde logo, as regras em que se alicerça a relação com os patrões, definindo os seus próprios horários e atividades.

Emerence procura ser uma pessoa reservada, mostrando-se sempre muito discreta com o seu passado e vida privada. Além disso, foge da política, despreza a religião e considera inútil qualquer um que se dedique a um trabalho que não exija esforço físico (como seja o caso de Magda e do seu marido), considerando que não é um verdadeiro trabalho. 

Como qualquer empregada doméstica, Emerence tem total acesso à privacidade dos patrões, quer de Magda, quer dos restantes, entrando nas suas casas quando quer. Limpa, cozinha, arruma e sai quando termina o serviço… No entanto, não permite que ninguém tenha acesso à sua própria casa. Emerence nunca abre a porta e as visitas são sempre recebidas no alpendre. Tudo dá a entender que Emerence esconde um segredo…

Este perfil, algo misterioso, leva a que a velha senhora seja, entre os membros da comunidade, alvo de muitos rumores sobre o seu passado e antecedentes. 

Pelos perfis das duas personagens, e face a backgrounds tão diferentes, percebemos que não será fácil o estabelecimento de uma relação próxima. Contudo, por algum motivo, Magda está obcecada com Emerence, por conseguir penetrar nas suas várias camadas e conseguir compreendê-la. 

A relação das duas começa a tornar-se mais próxima, mas também mais tóxica, quase abusiva. Emerence começa a tomar decisões em relação à casa e à vida de Magda, que se revolta, mas que logo pede perdão, tornando-se cada vez mais suscetível ao humor e birras de Emerence.

Se por um lado, parece que Magda está constantemente à procura do amor de Emerence, ou de a conquistar, por outro, Magda é a patroa! E socorre-se disso para, de vez em quando, picar a empregada, mostrar-lhe que manda e que também tem poder. 

Mais do que uma história de amizade, parece que estamos perante um braço de ferro, uma luta de egos, em que as duas protagonistas são igualmente fortes, mas igualmente voláteis.

Lentamente, ao longo da história, Emerence vai se abrindo e vai mostrando vislumbres da sua história de vida, cheia de vulnerabilidades que podem justificar (ou não) os seus comportamentos presentes.

Num determinado ponto da história, Magda tem que tomar uma decisão: abrir ou não a porta. E, na sua perspectiva, qualquer uma das alternativas será considerada uma traição a Emerence, levantando-se questões de como preservar a dignidade de outro ser humano.


A minha opinião

Então, não é muito fácil para mim ‘falar’ sobre este livro…

O significado simbólico do título é compartilhado pela porta física de Emerence para sua casa, mas também para a barreira que ela cria para o seu eu interior e, no meu caso, na barreira que me impediu de me aproximar destas personagens.

Este foi, para mim, um livro muito diferente de qualquer outro que já li. Magda Szabó constrói um livro que nos põe à prova, e que de alguma forma nos obriga a encarar e a refletir sobre a relação com o outro. 

Entendo que tendemos a ser mais duros com aqueles que nos são próximos, e faz sentido, para mim, pensar neste tipo de relação em casos de mãe-filha, por exemplo. No entanto, no caso de uma relação patroa-empregada, e ainda por cima quando as duas se conheceram numa fase já mais madura da vida, parece-me algo pouco convincente.

O livro começa como promissor, ficamos presos ao ‘mistério’ que envolve Emerence, no entanto, quanto mais avançava na leitura mais me ia frustrando com as ações das protagonistas e com a natureza repetitiva do romance, que se foi tornando arrastado e cansativo.

Não consegui relacionar-me com as birras das protagonistas e não me consegui afeiçoar a nenhuma das duas.

Por um lado, Emerence quer que respeitem a sua privacidade, mas não demonstra respeito por ninguém: muda a decoração da casa de Magda, contraria as decisões tomadas pela patroa, enfim…

Já Magda, por sua vez, tem uma postura egoísta, torna tudo num assunto relativo a si e assume que tudo que acontece é, de alguma forma, por sua causa. 

Li, numa reflexão sobre a obra, que poderíamos pensar neste livro como um romance sobre a culpa quando, apesar das boas intenções, as coisas não correm pelo melhor. Não obstante, não consigo pensar na Magda como uma pessoa com “boas intenções”. Num determinado ponto, quando a Emerence está há dias sem sair de casa, Magda dirige-se lá a oferecer ajuda, mas a pensar algo como “espero que ela não precise de nada, tenho mais que fazer”, ou seja, a culpa, é fundamentada.

Em suma, este é um livro complexo, que nos levanta vários questionamentos pertinentes. Contudo, não consegui afeiçoar-me a nenhuma das personagens e, a determinado ponto, perdi o interesse sobre o que iria acontecer às mesmas.

[making of, porque o Draco também quis aparecer ]